sábado, 31 de maio de 2025

As Igrejas do Oriente: Tradição Viva e Riqueza Esquecida

As Igrejas do Oriente: Tradição Viva e Riqueza Esquecida

Por Matheus Lino

Há, no Oriente, uma chama antiga que ainda arde, mesmo quando o Ocidente já soprou tantas vezes contra ela. As Igrejas Orientais — Católicas ou Ortodoxas — permanecem como sentinelas da Tradição, com os pés fincados na terra santa da memória e os olhos voltados para o Céu. Eles são, ao mesmo tempo, museus vivos e oficinas do sagrado, onde a fé não se adapta ao tempo, mas o tempo é que é moldado pela fé.

Quem entra numa igreja maronita no Líbano, numa catedral copta no Egito, ou num mosteiro ortodoxo na Geórgia, não pisa apenas um chão sagrado — pisa a história. Ali, cada ícone, cada canto litúrgico, cada gesto do sacerdote está carregado de séculos de continuidade. Não há aqui espaço para invenções litúrgicas nem para modismos pastorais. O culto não se moderniza — ele se mantém. E por isso mesmo, toca a alma com uma profundidade que só a permanência pode alcançar.

É fácil, do conforto da nossa modernidade ocidental, olhar para essas Igrejas como relíquias — belas, sim, mas ultrapassadas. Grande erro. O que para nós parece arcaico, para eles é vital. A Liturgia de São João Crisóstomo, rezada há mais de mil anos, continua a ser o coração pulsante das Igrejas Bizantinas. O aramaico da liturgia síria não é apenas uma língua morta — é a língua que o próprio Cristo falava. Eles não preservam o antigo por saudosismo, mas por fidelidade.

Vivemos uma era de crise: moral, espiritual, identitária. As compras vazias, os altares se desfiguram, a fé vira entretenimento. E, nesse cenário enevoado, as Igrejas do Oriente brilham como um farol firme e intenso. Elas não titubeiam, não negociam a verdade, não embarcam em experimentações. Iluminam não com holofotes, mas com a luz serena da Tradição — uma luz que não ofusca, mas revela. Em tempos sombrios, sua fidelidade resplandece com ainda mais força, mostrando que há, sim, uma rota segura no meio das trevas.

Essas roupas não são apenas belas: são mártires. Sofreram sob o Islã, sob o comunismo, sob o descaso do Ocidente. Padres degolados, paramentos incendiadas, fiéis perseguidos — tudo isso é realidade recente, não apenas nota de rodapé histórico. E, no entanto, continuam. Porque sabemos que a cruz não é um símbolo de decoração, mas o caminho da salvação. A fidelidade deles, ainda que ignorada pela Roma moderna ou pelos teólogos de poltrona, é um testemunho vivo de que a fé verdadeira não se vende ao mundo.

O Ocidente, em sua pressa por novidade, esqueceu que a alma humana anseia por raízes. Não é com holofotes no altar nem com slogans de autoajuda que se convertem corações. É com silêncio, com mistério, com o peso do sagrado. As Igrejas do Oriente têm isso em abundância. São um antídoto para a banalização da fé, um lembrete de que Deus não é nosso amiguinho, mas o Senhor dos Exércitos.

Talvez seja hora de voltarmos os olhos para o Oriente. Não com o olhar curioso de quem visita um museu, mas com a humildade de quem deseja aprender. Lá, entre os sinos de Alepo e os cânticos de Kiev, pode estar o que perdemos: a noção de que a Tradição não é um fardo, mas uma herança — e que, sem ela, a fé torna-se apenas uma sombra do que foi.


sexta-feira, 30 de maio de 2025

A Crise da Igreja Moderna: Fé, Verdade e Confusão nos Tempos Finais


 A Crise da Igreja Moderna: Fé, Verdade e Confusão nos Tempos Finais

Vivemos tempos sombrios para a fé cristã. O cenário atual da Igreja, em suas diversas expressões, reflete uma crise profunda que não é apenas moral ou estrutural, mas, sobretudo, espiritual e doutrinária. É uma crise que se manifesta na perda do senso da verdade, na diluição da fé e na confusão generalizada sobre o que significa ser cristão nos últimos tempos.

A fé que uma vez foi transmitida “uma vez por todos os santos” (cf. Judas 1,3) parece cada vez mais relativizada, adaptada, domesticada. Muitos púlpitos deixaram de anunciar o arrependimento, a cruz, a necessidade da graça e da conversão. Em seu lugar, proliferaram discursos motivacionais, sentimentalismos teológicos e adaptações ao espírito do mundo.

Santo Atanásio, no século IV, ao combater a heresia ariana, dizia:

“Eles têm os templos, mas nós temos a fé.”

Hoje, quantos templos ainda mantêm a fé completa? Quantas comunidades ainda guardam o depósito apostólico sem concessões ao relativismo?

A liturgia, espelho da fé, sofreu e ainda sofre uma descaracterização sem precedentes. Quando o sagrado se torna banal, o homem deixa de se encontrar com Deus e passa a celebrar a si mesmo. O antropocentrismo invadiu não apenas a teologia, mas o culto. Canta-se ao homem, prega-se o bem-estar, e um pouco se fala de pecado, justiça ou modernidade.

São Basílio Magno já alertava no século IV:

“A doutrina dos Padres foi desprezada, as tradições apostólicas foram rejeitadas, e os imitadores das novidades estão em toda parte.”

O que antes era um alerta tornou-se, hoje, um retrato doloroso da realidade.

Ideologias seculares, movimentos políticos e agendas anticristãos encontram-se hoje abrigados em muitas lideranças eclesiásticas. O Evangelho, que exige conversão e renúncia ao mundo, é frequentemente reinterpretado para comportamentos e doutrinas obstinadas que são frontalmente contrários à Revelação divina.

A moral cristã está sendo redesenhada por comissões, sínodos e teólogos progressistas, como se a Verdade pudesse ser objeto de voto ou revisão.

Cristo nos anuncia sobre os tempos do fim:

"Muitos falsos profetas se levantarão e enganarão a muitos. E por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará." (Mt 24,11-12)

A confusão que assola a Igreja moderna é, para muitos santos e estudiosos, um dos sinais mais claros de que estamos nos tempos finais. Não se trata de sensacionalismo, mas de vigilância espiritual. As profecias de La Salette, Fátima, Akita e de tantos místicos da Tradição apontam para uma grande apostasia, que precederia um tempo de purificação.

Diante dessa crise, Deus levanta um remanescente fiel. Homens e mulheres que, mesmo em meio à confusão, permanecem firmes na fé dos Apóstolos, apegados à Sagrada Escritura, à Tradição e à vida sacramental autêntica. Estes não seguem as modas do mundo, mas resistem com coragem, como sentinelas da verdade.

São Paulo exortava Timóteo:

"Prega a palavra, insiste oportuna e inoportunamente, convence, repreende, exorta com toda paciência e doutrina. Pois virá o tempo em que não resistirão a sã doutrina."         (2Tm 4,2-3)

Esse tempo chegou. Cabe a cada cristão decidir: será cúmplice da confusão ou guardião da Verdade?

Voltar às fontes da fé: Ler os Evangelhos, meditar as cartas dos Apóstolos, estudar os Santos Padres.

Fidelidade à doutrina perene: A fé não evolui como ideologia. Ela é profunda, mas não muda em sua essência.

Cultivar a vida sacramental autêntica: Confissão frequente, Missa reverente, comunhão em estado de graça.

Discernir os espíritos: Nem todo discurso piedoso vem de Deus. Muitos lobos usam peles de ovelha.

A crise da Igreja moderna é, ao mesmo tempo, um tempo de prova e de escolha. Muitos se perderão. Mas também muitos se levantarão como luzes de luz, testemunhas da Verdade, profetas para os tempos finais. A confusão dos nossos dias não deve nos paralisar, mas nos chamar à vigilância, à fidelidade e ao ardor missionário.

O Espírito Santo não abandonará a Esposa de Cristo. Mas ela será purificada. Que sejamos encontrados como justos, como aqueles que “guardaram a fé e combateram o bom combate” (cf. 2Tm 4,7).

quinta-feira, 29 de maio de 2025

A Escola sem Alma: A Falta de Sentido na Educação Moderna

 


A Escola sem Alma: A Falta de Sentido na Educação Moderna

Vivemos uma era em que a educação parece ter perdido seu eixo, sua força vital, sua alma. Em um mundo cada vez mais tecnocrático, imediatista e utilitarista, a escola moderna foi sendo esvaziada de seu propósito mais nobre: ​​a formação integral do ser humano. O que vemos, em muitos casos, é a substituição do verdadeiro ensino por uma transmissão de informações fragmentadas, desprovidas de sentido existencial. A escola, que outrara era um santuário de sabedoria e humanismo, transformou-se em uma fábrica de diplomas.

Ao longo das últimas décadas, o modelo educacional passou por uma profunda reestruturação. A pedagogia passou a se curvar diante da exigência do mercado, da produtividade e do desempenho. O resultado? Um reducionismo técnico que trata o aluno como consumidor e o professor como mero operador de sistemas. As disciplinas são apresentadas de modo fragmentado, com conteúdos descolados da realidade profunda da vida, e muitas vezes desconectados entre si.

A antiga pergunta socrática — "O que é o homem?" — deu lugar à obsessão pelas competências e habilidades, medidas por gráficos e provas padronizadas. O ensino deixou de ser um caminho de busca pela verdade, tornando-se uma preparação para exames ou um treinamento para o mercado de trabalho. Nesse processo, perdeu-se o encantamento pelo saber, e o estudo passou a ser visto como obrigações e não como vocação.

O problema da escola moderna não é apenas metodológico, mas antropológico. Quando a visão do homem é perturbada, tudo o que se constrói sobre essa base será assustador. A educação moderna muitas vezes parte de uma concepção materialista e individualista do ser humano — como se fôssemos apenas cérebros ambulantes, prontos para competir e produzir. Mas o ser humano é mais do que isso: é corpo, alma, razão, vontade, afeto e transcendência.

Ao ignorar essa complexidade, a escola se torna incapaz de formar indivíduos com profundidade, senso moral e consciência crítica. Como dizia Viktor Frankl, "quando perdemos o sentido, adoecemos". O mesmo se aplica à educação: uma escola sem sentido, forma aulas sem direção .

Nesse contexto de perda de sentido, muitas pedagogias contemporâneas surgem como tentativas de preencher o vazio, mas sem restaurar o fundamento. Um exemplo emblemático é o chamado “método revolucionário” de Paulo Freire , que, embora seja apresentado como solução definitiva, não é a única alternativa possível — e tampouco a melhor . Longe de uma educação centrada na verdade e na busca do bem, sua proposta, em muitos casos, é estruturada a partir de categorias ideológicas que priorizam a denúncia social e a politização da sala de aula.

A pedagogia freireana, apesar de suas contribuições em contextos específicos, muitas vezes se torna disfuncional quando aplicada como paradigma universal. Ela parte mais de uma intenção revolucionária do que de critérios formativos sólidos , sendo promovida não por seus resultados efetivos, mas por sua consonância com projetos ideológicos contemporâneos. Em contrapartida, a educação clássica , enraizada em séculos de tradição filosófica e teológica, tinha por finalidade específica a formação das virtudes e a elevação da alma — algo cada vez mais raro nas escolas de hoje. O problema, portanto, não é apenas metodológico, mas ontológico e espiritual.

Outro elemento que contribui para o esvaziamento da educação é o abandono das fontes clássicas de sabedoria. A filosofia, a literatura, o latim, a história, a arte e a teologia foram sendo substituídas por disciplinas técnicas ou por conteúdos ideológicos de ocasião. O resultado disso é uma geração que desconhece sua herança cultural, que não tem raízes nem referências, e que vive à deriva em um mar de opiniões efêmeras.

A tradição educativa ocidental, desde Platão até a Escolástica medieval, sempre entendeu que educar é ordenar a alma à verdade e ao bem . O conhecimento foi visto como um caminho de elevação, uma via para se tornar mais plenamente humano. Hoje, isso é como utopia ou romantismo. Mas é justamente isso que falta: alma .

É urgente resgatar uma visão de educação que vá além da técnica, do mercado e das estatísticas. Precisamos de escolas que formem pessoas com consciência, com capacidade de pensar, de julgar e de amar. Isso implica uma formação filosófica, ética e espiritual — não no sentido confessional, mas no sentido de cultivar no aluno a pergunta pelo sentido da vida, da morte, do sofrimento, da liberdade, da beleza e da verdade.

A verdadeira educação não tem essas perguntas, ao contrário: é feita para elas. Como dizia Santo Agostinho, “ninguém pode viver sem se perguntar pelo que ama”. A educação moderna evita essas perguntas, e por isso forma indivíduos vazios, confusos e muitas vezes ansiosos.

A escola perdeu sua alma porque esqueceu o seu fim. Reduziu-se aos meios e se esqueceu dos fins. O ensino virou adestramento, e o professor foi transformado em facilitador. Mas o homem não é uma máquina. E a escola não pode ser um centro de treinamento. Ela deve ser, como dizia Jacques Maritain, um “lugar de cultivo da liberdade interior”.

É tempo de recuperar a educação como vocação humana e espiritual. Devolver à escola sua missão de formar homens e mulheres com inteligência, coração e espírito. Só assim deixaremos de produzir apenas técnicos e consumidores, e voltaremos a formar pessoas plenamente humanas.


quarta-feira, 28 de maio de 2025

Viver com Propósito em um Mundo de Distrativos


 Viver com Propósito em um Mundo de Distrativos

Vivemos na era das notificações, dos feeds infinitos e das distrações constantes. O mundo moderno nos oferece uma enxurrada de estímulos visuais, auditivos e emocionais, todos competindo pela nossa atenção. A consequência disso é uma sociedade cansada, apressada e, em muitos casos, perdida. Diante desse cenário, a pergunta se impõe: como viver com propósito em um mundo que parece feito para nos distrair?

A distração, muitas vezes, não é apenas um problema tecnológico. Ela pode ser um sintoma de um interior vazio , de uma vida sem direção clara. Quando não sabemos para onde vamos, qualquer caminho serve. Quando o coração não está ancorado em algo maior, ele se torna presa fácil das pequenas distrações que prometem rompimento imediato, mas não oferecem sentido duradouro.

O propósito não é sinônimo de produtividade. Não se trata apenas de fazer mais coisas, mas de fazer aquilo que está alinhado com o que realmente importa. E para isso, é necessário silêncio, introspecção e coragem.

Em um mundo barulhento, o silêncio se torna revolucionário. É no silêncio que ouvimos as vozes mais profundas da alma. É aí que olhamos claramente sobre o que realmente nos move. Redescobrir o valor da interioridade é o primeiro passo para reencontrar o propósito.

Reserve momentos no seu dia para desligar o celular, desconectar-se das redes e simplesmente estar presente . A oração, a meditação, a leitura contemplativa ou o simples ato de caminhar em silêncio podem ser formas de reconexão com o essencial.

Viver com propósito não é um estado passivo; é uma decisão diária. Exija  renúncia aos excessos , discernimento entre o urgente e o importante, e a disposição de dizer “não” ao que não contribui para o que você foi chamado a ser.

Essa vida com propósito não será igual para todos. Para alguns, pode ser dedicado à família. Para outros, servir numa vocação espiritual, construir algo novo, cuidar da criação, estudar ou simplesmente viver com mais atenção e presença.

Uma das grandes armadilhas do nosso tempo é a superficialidade. Tudo é rápido, instantâneo e abrangente. Viver com propósito exige nadar contra essa corrente. É preciso profundidade, compromisso e constância . Quem vive com propósito não se deixa levar pela maré. Ao contrário, firma seus pés na areia e segue sua vocação com firmeza, mesmo que isso custe tempo, esforço e incompreensão.

Por fim, viver com propósito é considerar que a vida não é obra do acaso, mas dom recebido e missão a ser cumprida. Cada pessoa nasce com uma identidade única, uma história irrepetível e um chamado particular. Descobrir o seu propósito é, antes de tudo, um ato de escuta: ouvir a voz de Deus, da consciência, da história e da própria alma.

Viver com propósito é dizer "sim" àquilo que você nasceu para ser. É deixar uma marca que não seja apenas digital, mas eterna. É viver de tal forma que, ao final da vida, você pode dizer: "eu fui fiel ao que me foi confiável" .

Num mundo feito para distrair, viver com propósito é um ato de rebelião espiritual. É escolher a profundidade em meio à pressa, a verdade em meio às vozes confusas, o essencial em meio ao acessório. 

Que possamos, a cada dia, reencontrar o sentido da nossa existência e vivê-lo com integridade, confiança e fé.


terça-feira, 27 de maio de 2025

A Estética como Tirania: Quando o Belo Esconde o Vazio


 A Estética como Tirania: Quando o Belo Esconde o Vazio

Vivemos na era da imagem. Em todos os cantos, telas brilham com rostos bem maquiados, corpos esculpidos, ambientes organizados e mensagens embaladas por fontes elegantes e filtros meticulosamente escolhidos. A estética deixou de ser apenas um modo de apresentar algo — tornou-se o próprio conteúdo, a própria verdade. Estamos diante de uma tirania suave, sedutora, e por isso mesmo perigosa: a tirania do belo.

Tradicionalmente, a estética sempre esteve ligada a algo mais profundo: a manifestação sensível de uma verdade invisível . No cristianismo oriental, por exemplo, o ícone não é apenas belo — ele é uma janela para o eterno . Na filosofia clássica, o belo, o bom e o verdadeiro formam uma unidade inseparável. O belo era belo porque revelava algo verdadeiro e bom.

Contudo, em nossa sociedade contemporânea, houve uma decisão. O belo foi arrancado de suas raízes metafísicas e se tornou superfície, embalagem, performance. Não é mais o reflexo da verdade; é o disfarce do vazio.

Quantos não se sentem obrigados a parecer felizes, produtivos, espiritualizados ou saudáveis ​​— ainda que não sejam nada disso? As redes sociais alimentam a estética da perfeição, e o sofrimento interior é maquiado com legendas de renovação. A estética deixa de ser expressão e se torna opressão.

Vivemos sob o domínio de uma “ética da aparência”, onde parece irrelevante diante do parecer. Já não importa se alguém é sábio, profundo, santo ou virtuoso. Importa se ele comunica bem, se fala bonito, se tem uma estética refinada e moderna. A forma usurpou o lugar do conteúdo. O vazio se veste de harmonia.

O filósofo Byung-Chul Han, ao refletir sobre a “sociedade da transparência”, mostra como tudo precisa ser visível, mostrável, exposto. A vida interior — silenciosa, imperfeita, contraditória — não tem lugar nesse palco. Tudo deve ser instagramável: o café, o corpo, a oração, o livro, o altar doméstico, a missa. A estética se torna um véu que esconde a aridez da alma.

Essa lógica entra também no campo religioso. As liturgias são ajustadas para ficarem “mais bonitas”. Cânticos são escolhidos por sua melodia e não por sua doutrina. Sermões viram TED Talks. A cruz — símbolo da deformidade redentora — é remanescente por discursos leves, ambientes instagramáveis ​​e uma espiritualidade “limpa” que nunca passa pela dor, pela angústia ou pela purificação interior.

Mas isso não é uma exclusão da beleza. O problema não é o belo em si, mas o belo que não aponta para nada além de si. Há uma beleza que redime, que purifica, que nos eleva a Deus. A beleza da liturgia tradicional, dos ícones, da arte sacra autêntica, da vida de um santo, é uma estética comunitária, que nos introduz no mistério.

Essa beleza não é estética publicitária, mas estética da cruz . Não seduz pela perfeição, mas emociona pela verdade. Não busca agradar o olhar, mas revelar o invisível. Por isso, paradoxalmente, ela pode ser rude, estranha, silenciosa, até mesmo dolorosa — como um ícone bizantino que foge à simetria ocidental.

O caminho não está em abandonar o belo, mas em reconectar a estética com a verdade e o bem . O cristianismo jamais foi inimigo da beleza. Ele é, ao contrário, a religião da Encarnação , onde o Verbo eterno assume forma, rosto, carne.

O rosto de Cristo é o selecionado do belo verdadeiro: marcado, transfigurado, luminoso e ferido ao mesmo tempo . Toda estética que não nos leva a esse Rosto corre o risco de ser tirânica, porque não revela — rímel.

A beleza ainda pode nos salvar — mas não qualquer beleza. Apenas aquela que, como dizia Dostoiévski, nos conduz à verdade crucificada . Que nossos olhos sejam curados da cegueira estética, para que possamos ver além da superfície, e contemplar, com temor e esperança, a beleza que salva porque fere, e fere porque ama .

Analfabetismo Funcional no Brasil: Um Obstáculo Oculto no Ensino Superior


Analfabetismo Funcional no Brasil: Um Obstáculo Oculto no Ensino Superior

O analfabetismo funcional é uma característica que transcende a simples incapacidade de ler ou escrever palavras. Refere-se à dificuldade de compreender, interpretar e aplicar textos, informações e conceitos básicos no cotidiano, mesmo entre pessoas com educação formal. No Brasil, esse problema é persistente — e alarmante — especialmente quando se observa sua incidência entre estudantes universitários.

O analfabetismo funcional é caracterizado pela limitação na leitura, escrita e matemática básica quando essas habilidades são aplicadas em situações concretas da vida, como interpretar um contrato, entender uma bula de remédio ou calcular o troco de uma compra. Isso significa que, apesar de frequentarem ou concluírem o ensino superior, muitos brasileiros não conseguem aplicar o conhecimento escolar na prática.

De acordo com o Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF), pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro em parceria com a ONG Ação Educativa, apenas 12% da população brasileira adulta pode ser considerada plenamente proficiente em leitura e interpretação. Aproximadamente 29% são analfabetos ou possuem alfabetização rudimentar , e mais da metade da população está nos níveis intermediários ou elementares.

Olavo de Carvalho, filósofo e crítico do sistema educacional, apontou que cerca de 80% dos universitários brasileiros apresentam sintomas de analfabetismo funcional. Suas observações ganham relevância quando confrontadas com os dados do INAF: a escolarização superior, isoladamente, não tem garantida a formação de leitores críticos e cidadãos constituídos para a vida intelectual, política e profissional.

As repercussões do analfabetismo funcional vão muito além do desempenho escolar. Elas comprometem a autonomia, o crescimento profissional, a saúde e a própria democracia:

  1. Mercado de Trabalho : A dificuldade de compreender instruções, escrever relatórios ou interpretação técnica reduz significativamente a empregabilidade e as chances de ascensão na carreira.

  2. Participação Cívica : A leitura de notícias, leis, contratos e propostas políticas exige habilidades interpretativas. Sem elas, o cidadão torna-se vulnerável à desinformação, à manipulação ideológica e à alienação social.

  3. Saúde Pública : Indivíduos com baixo letramento funcional têm dificuldade para seguir orientações médicas, entender receitas e interpretar rótulos de medicamentos, o que pode gerar graves consequências à saúde.

  4. Relacionamentos e Vida Social : A interpretação contida de mensagens, textos e símbolos sociais pode dificultar a convivência, gerar conflitos e limitar o desenvolvimento de vínculos profundos. 

O analfabetismo funcional é alimentado por uma cultura que desvaloriza o pensamento crítico e favorece o consumo superficial de informações. A escola, muitas vezes, privilegia a memorização mecânica e a reprodução de fórmulas, em vez de incentivo ao significado autêntico e à reflexão. Soma-se a isso o desinteresse pela leitura literária, que forma a imaginação, o vocabulário e a capacidade de abstração.

Ler não é apenas decodificar palavras; é compreender realidades, argumentos e contextos. A ausência do hábito de leitura desde a infância, aliada ao uso compulsivo de telas, redes sociais e conteúdos rápidos, mina a capacidade de concentração e análise profunda.

Enfrentar o analfabetismo funcional no Brasil exige um pacto educativo de longo prazo, com ações coordenadas entre o governo, as escolas, as famílias e a sociedade civil. Entre as medidas urgentes estão:

  • Reforma Curricular Profunda : Reorientar o ensino básico e médio para desenvolver competências interpretativas reais e pensamento lógico, com ênfase na leitura crítica e no debate filosófico.

  • Formação Contínua de Professores : Os educadores precisam estar capacitados para ensinar com métodos atualizados, fundamentados em evidências e orientações para aplicação prática do conhecimento.

  • Programas de Leitura e Escrita Reflexiva : Implantar centros de leitura, oficinas de produção textual e programas de incentivo à literatura nas escolas e universidades.

  • Avaliação Real de Competências : Substitua avaliações decorativas por exames que realmente medem a compreensão, a interpretação e a argumentação do estudante.

O analfabetismo funcional representa um dos maiores desafios da educação brasileira contemporânea. Ele é silencioso, mas devastador. Ao atingir inclusive os que chegam ao ensino superior, revela uma crise profunda na formação do sujeito pensante e do cidadão crítico.

É preciso um esforço nacional para restaurar a centralidade da leitura, da lógica, da filosofia e da escrita significativa na vida escolar e social. Apenas assim poderemos preparar verdadeiramente nossos jovens para viver de forma plena, livre e responsável em uma sociedade cada vez mais complexa e exigente.

domingo, 25 de maio de 2025

Domingo da Confiança: Aprender a Depender Somente de Deus


 Domingo da Confiança: Aprenda a Depender Somente de Deus

Neste domingo, em meio ao silêncio sagrado que precede a liturgia, em meio ao descanso do mundo e ao eco da eternidade, somos chamados a voltar nosso coração para um dos exercícios mais esquecidos e, ao mesmo tempo, mais fundamentais da vida cristã: aprender a depender somente de Deus .

Vivemos numa época em que a dependência é vista como fraqueza. O homem moderno foi educado para ser autossuficiente, para correr atrás da estabilidade financeira, emocional, relacional. Tudo gira em torno da palavra “segurança”. Segurança no emprego. Segurança no casamento. Segurança nos investimentos. Segurança na saúde. E então, sem perceber, começamos a construir nossa casa sobre a areia das situações — e nos tornamos escravos de tudo aquilo de que dependemos.

Criamos, aos poucos, uma teia de dependências humanas que, embora legítimas em sua ordem natural, tornam-se laços que sufocam nossa alma quando ocupam o lugar de Deus. O salário se torna nosso deus. O parceiro, nosso Salvador. Os filhos, nosso sentido. A carreira, nosso altar. E, assim, multiplicam-se os nossos medos: medo de perder o emprego, medo da traição, medo da solidão, medo do futuro, medo da morte.

Mas, e Deus? Onde entra Deus nisso tudo? O único que nunca nos abandona , que não pode falhar , que não muda , que é fiel mesmo quando nós somos infiéis (cf. 2Tm 2,13), é exatamente Aquele em quem menos confiamos.

A verdade é simples e profunda: somos chamados a depender de Deus. Mas isso não é um sentimento vago, nem uma frase bonita de efeito espiritual. É um caminho. Um exercício. Um combate. É a substituição lenta e consciente das falsas seguranças pela rocha inabalável que é o Senhor.

“Confia no Senhor de todo o teu coração e não te estribes no teu próprio entendimento” (Provérbios 3,5).

A dependência de Deus se aprende na oração. Quando ajoelhamos sem saber o que pedir, mas ainda assim ficamos diante do Pai. Se aprende no sofrimento. Quando tudo nos é tirado e descoberto, com lágrimas nos olhos, que o essencial permanece. Se aprende na obediência. Quando fazemos a vontade divina mesmo sem compreender plenamente os caminhos. Aprende na Eucaristia. Quando nos alimentamos do que não vemos, mas cremos.

Depender de Deus é viver com os olhos fixos n'Ele, como um servo que aguarda os sinais do seu Senhor (cf. Sl 122,2). É viver sabendo que tudo pode ruir ao nosso redor — mas se Ele estiver conosco, não faltará nada. Como disse Santa Tereza :

 "Nada te perturba, nada te espante. Tudo passa. Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem tem Deus, nada falta. Só Deus basta."

Neste domingo, o convite é claro: faça um exame da sua alma. De quem você depende? Onde você colocou seu coração? Onde está sua confiança?

Talvez você diga: “Mas é difícil confiar em Deus quando não sei o que Ele vai fazer.” E Deus responde: "É exatamente por isso que quero que você confie. Porque eu sei o que estou fazendo."

Nosso Pai não quer que vivamos com medo. Ele quer que vivamos com fé. Não uma fé cega, mas uma fé firme, como a da criança que estende a mão e se deixa guiar.

Confiar em Deus não é abandonar responsabilidades, nem cruzar os braços diante dos desafios. Confiar em Deus é lutar com a serenidade de quem sabe que não está sozinho, que a vitória não depende apenas de suas forças, mas de Deus que caminha à frente.

Por isso, neste domingo, descansemos no Senhor. Vamos começar esta nova semana com o firme propósito de deslocar o eixo de nossa confiança. Que Deus seja o nosso sustento, nosso refúgio, nossa esperança. Que Ele seja tudo, em todos, em cada detalhe da nossa vida.

Com alegria no coração e paz na alma, desejo a você e a todos que leem esta reflexão um santo e abençoado domingo.

Que você sinta a presença do Senhor caminhando ao seu lado, sustentando suas esperanças, acolhendo suas dores e guiando seus passos.

E que a graça de aprender a depender somente d'Ele acompanhe você não apenas hoje, mas por toda a sua vida.

sábado, 24 de maio de 2025

A Verdade e a Opinião: O Diálogo Possível entre Platão e o Instagram

 


A Verdade e a Opinião: O Diálogo Possível entre Platão e o Instagram

Se Platão vivesse hoje, talvez não escreva diálogos em papiros, mas quem sabe criaria Reels filosóficos — com legendas em grego antigo e trilha sonora de cítara. É claro que estou brincando. Mas é fato que o contraste entre o pensamento platônico e as redes sociais atuais, especialmente o Instagram, revela uma tensão profunda entre dois mundos: a verdade eterna e a opinião passageira .

No famoso mito da caverna, narrado em A República, Platão descreve prisioneiros acorrentados desde o nascimento que enxergam apenas sombras projetadas na parede. Essas sombras, para eles, são a realidade. Mas um deles, livre, sobe à luz contempla o mundo verdadeiro. Ao retornar para contar aos outros, é ridicularizado. Prefirem as sombras desconhecidas à verdade desconcertante.

Troquemos agora a parede da caverna pela tela do celular. A caverna virou o feed. As sombras são os filtros, os cortes de realidade, os discursos emocionais que viralizam. A verdade, como outrara, ainda está fora — mas poucos querem sair da zona de conforto para encará-la.

Para Platão, existem dois tipos de conhecimento: doxa (opinião) e aletheia (verdade). A doxa é assustadora, muda com o vento das emoções e da conveniência. A verdade, por outro lado, é o que é — não depende de “likes”, nem de seguidores.

O Instagram é um templo moderno da doxa. As opiniões pulsam em tempo real, moldadas pela estética, pela narrativa do momento e pelo algoritmo. Há espaço para a verdade? Sim, mas ela precisa competir com a sedução do sensacionalismo, da aparência, da performance.

Platão propõe que o verdadeiro governante deveria ser filósofo, aquele que ama a sabedoria. Mas hoje, quem reina são os influenciadores. Nada contra eles — muitos fazem um trabalho excelente. Mas a lógica é outra: não se busca o que é eterno, mas o que engaja.

Se Sócrates fosse um usuário do Instagram, talvez estivesse no campo dos comentários, questionando com ironia: “Você tem certeza disso?” ou “O que você quer dizer com 'minha verdade'?”. Seria bloqueado? Talvez. Mas também poderia inspirar.

Apesar da crítica, é possível um diálogo entre Platão e o Instagram . A filosofia não precisa fugir da tecnologia — ela pode se encarnar nela. A pergunta é: quem está usando quem?

Se usarmos o Instagram apenas para alimentar a vaidade, permanecemos na caverna. Mas se o usamos como meio para comunicar o que é verdadeiro, belo e bom, então podemos ascender com os outros à luz. O segredo está na intenção e na profundidade .

Platão acreditava que a verdade é universal e imutável. Mas vivemos na era da “verdade pessoal”, do “eu sinto, logo é verdade”. Isso não precisa ser um muro intransponível. O diálogo é possível quando abrimos espaço para ouvir, pensar e, acima de tudo, duvidar da própria opinião com humildade .

Talvez a missão do filósofo contemporâneo seja usar as ferramentas atuais para resgatar o amor pela sabedoria — mesmo que isso signifique postar menos selfies e mais ideias.

O Platão e o Instagram habitam mundos diferentes, mas podem ser encontrados. A filosofia não é um luxo antigo: é uma urgência atual. E talvez, ao resgatar o valor da verdade num mar de opiniões, sejamos como aquele prisioneiro que ousou olhar para a luz — e depois voltou para convidar outros.

Você aceita o convite?


Poema — Ardor do Carmelo

Poema — Ardor do Carmelo Nas montanhas altas e frias do tempo, Silêncio e solidão teciam o alento. Ali viviam, em paz e oração, Eremitas...