domingo, 18 de maio de 2025

O Eu Fragmentado: Vivendo entre Personas Digitais e Silêncios Interiores


 O Eu Fragmentado: Vivendo entre Personas Digitais e Silêncios Interiores

Vivemos em uma era profundamente marcada pelo ruído e pela dispersão. Como capelão, psicoterapeuta e estudante da filosofia tomista, percebo com frequência o sofrimento silencioso daqueles que, imersos na lógica das redes sociais e da critério contemporâneo, já não conseguem escutar sua própria alma.

Esse artigo nasce de uma inquietação comum a muitos: estamos nos perdendo de nós mesmos enquanto tentamos nos mostrar ao mundo? Inspirado pela tradição dos santos padres do Oriente, pelos ensinamentos de São Tomás de Aquino e pela escuta atenta da dor humana no consultório, convido você a refletir sobre a fragmentação do eu — suas causas, sintomas e possíveis caminhos de reintegração.

O conceito de persona , tal como formulado por Jung, ajuda-nos a entender a natureza das máscaras sociais. No fundo, todos usamos papéis — como filhos, esposos, profissionais, religiosos. Mas quando essas máscaras se tornam nossa única referência, perdemos a interioridade. Passamos a viver fora de nós mesmos, seduzidos pela imagem idealizada que projetamos ao mundo.

Nas redes sociais, essa fragmentação é quase inevitável. Tornamos-nos várias versões de um mesmo eu, cada uma ajustada ao público-alvo. Publicamos sorrisos, conquistas e opiniões cuidadosamente escolhidas, mas o que fazemos com as partes que não cabem nesses moldes? Onde relatam as dores não ditas, os pecados ocultos, os desejos mais profundos e as perguntas existenciais?

A resposta, muitas vezes, é vazia.

O silêncio, para a alma contemporânea, é mais assustador do que o barulho. Isso porque no silêncio ouvimos o que as distrações calam: o eco do que fomos, o peso do que não somos mais e a sede do que deveríamos ser.

A tradição hesicasta, por exemplo, insiste que a hesíquia (quietude) não é mera ausência de palavras, mas presença absoluta do coração diante de Deus. São Gregório Palamás ensina que o silêncio interior é o prelúdio da luz divina. O tomismo também nos aponta esse caminho: a intelecção verdadeira exige recolhimento, pois o conhecimento parte da interioridade ordenada — e não da multiplicidade dispersa.

Silenciar-se, portanto, é tornar-se novamente capaz de verdade, de presença, de amor real.

Somos, como disse Guy Debord, uma “sociedade do espetáculo”. A vida tornou-se performance e o sujeito, seu próprio produto. Como terapeuta, noto cada vez mais jovens ansiosos, pais esgotados, religiosos desiludidos — não por falta de sentido, mas por excesso de sentidos artificiais.

A alma humana, segundo a filosofia clássica, deseja o bem, o belo e a verdade. Mas esses transcendentais não se alcançam pela velocidade nem pela comparação. É preciso tempo, maturidade, solidão. Quando não há espaço interior, não há moralidade autêntica nem espiritualidade profunda. Tudo vira estética.

Como recomeçar? Antes de tudo, confirmando a fragmentação. Depois, permitindo-se a humildade de ser um: ser o mesmo diante de Deus, da esposa, do filho, do superior, do amigo. Isso exige conversão, constância, e um esforço ascético real. Exige também discernimento: saber o que devo calar, com quem posso me revelar, o que é meu e o que foi imposto pelas situações.

A prática do exame de consciência, do sacramento da confissão, da oração silenciosa, da leitura dos padres e dos bons mestres é essencial. A psicoterapia, quando iluminada por uma antropologia correta — como a tomista — também pode ser instrumento de reintegração, especialmente quando ajuda o sujeito a sair do narcisismo e reencontrar o eixo da vida: a relação com Deus e o serviço ao próximo.

O eu fragmentado de hoje é, em parte, uma resposta defensiva à cultura de exposição e hiperconexão. Mas não precisa ser nosso destino. Podemos, sim, recuperar a integridade do ser — não fugindo do mundo digital, mas colocando-o em seu devido lugar. A alma humana não foi feita para viver em vitrine, mas em profundidade.

Silêncio, verdade presença e são os remédios mais urgentes para uma geração exausta de representar. O silêncio não é fuga, mas retorna. A verdade não é julgamento, mas libertação. A presença não é performance, mas entrega.

Talvez, neste exato momento, o maior ato de resistência seja simplesmente fechar os olhos, silenciar o celular, respirar fundo e perguntar-se com sinceridade: Quem sou eu quando ninguém está olhando? A resposta, por mais dolorosa que aparece no início, pode ser o primeiro passo rumo à cura — e ao reencontro com o rosto que Deus sonhou para nós.

Que o Senhor nos conceda a graça de vivermos com integridade, no silêncio e na verdade que brotam do Seu Coração. Um abençoado domingo para você e sua família, repleto de paz e da luz de Deus!

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