O analfabetismo funcional é uma característica que transcende a simples incapacidade de ler ou escrever palavras. Refere-se à dificuldade de compreender, interpretar e aplicar textos, informações e conceitos básicos no cotidiano, mesmo entre pessoas com educação formal. No Brasil, esse problema é persistente — e alarmante — especialmente quando se observa sua incidência entre estudantes universitários.
O analfabetismo funcional é caracterizado pela limitação na leitura, escrita e matemática básica quando essas habilidades são aplicadas em situações concretas da vida, como interpretar um contrato, entender uma bula de remédio ou calcular o troco de uma compra. Isso significa que, apesar de frequentarem ou concluírem o ensino superior, muitos brasileiros não conseguem aplicar o conhecimento escolar na prática.
De acordo com o Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF), pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro em parceria com a ONG Ação Educativa, apenas 12% da população brasileira adulta pode ser considerada plenamente proficiente em leitura e interpretação. Aproximadamente 29% são analfabetos ou possuem alfabetização rudimentar , e mais da metade da população está nos níveis intermediários ou elementares.
Olavo de Carvalho, filósofo e crítico do sistema educacional, apontou que cerca de 80% dos universitários brasileiros apresentam sintomas de analfabetismo funcional. Suas observações ganham relevância quando confrontadas com os dados do INAF: a escolarização superior, isoladamente, não tem garantida a formação de leitores críticos e cidadãos constituídos para a vida intelectual, política e profissional.
As repercussões do analfabetismo funcional vão muito além do desempenho escolar. Elas comprometem a autonomia, o crescimento profissional, a saúde e a própria democracia:
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Mercado de Trabalho : A dificuldade de compreender instruções, escrever relatórios ou interpretação técnica reduz significativamente a empregabilidade e as chances de ascensão na carreira.
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Participação Cívica : A leitura de notícias, leis, contratos e propostas políticas exige habilidades interpretativas. Sem elas, o cidadão torna-se vulnerável à desinformação, à manipulação ideológica e à alienação social.
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Saúde Pública : Indivíduos com baixo letramento funcional têm dificuldade para seguir orientações médicas, entender receitas e interpretar rótulos de medicamentos, o que pode gerar graves consequências à saúde.
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Relacionamentos e Vida Social : A interpretação contida de mensagens, textos e símbolos sociais pode dificultar a convivência, gerar conflitos e limitar o desenvolvimento de vínculos profundos.
O analfabetismo funcional é alimentado por uma cultura que desvaloriza o pensamento crítico e favorece o consumo superficial de informações. A escola, muitas vezes, privilegia a memorização mecânica e a reprodução de fórmulas, em vez de incentivo ao significado autêntico e à reflexão. Soma-se a isso o desinteresse pela leitura literária, que forma a imaginação, o vocabulário e a capacidade de abstração.
Ler não é apenas decodificar palavras; é compreender realidades, argumentos e contextos. A ausência do hábito de leitura desde a infância, aliada ao uso compulsivo de telas, redes sociais e conteúdos rápidos, mina a capacidade de concentração e análise profunda.
Enfrentar o analfabetismo funcional no Brasil exige um pacto educativo de longo prazo, com ações coordenadas entre o governo, as escolas, as famílias e a sociedade civil. Entre as medidas urgentes estão:
Reforma Curricular Profunda : Reorientar o ensino básico e médio para desenvolver competências interpretativas reais e pensamento lógico, com ênfase na leitura crítica e no debate filosófico.
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Formação Contínua de Professores : Os educadores precisam estar capacitados para ensinar com métodos atualizados, fundamentados em evidências e orientações para aplicação prática do conhecimento.
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Programas de Leitura e Escrita Reflexiva : Implantar centros de leitura, oficinas de produção textual e programas de incentivo à literatura nas escolas e universidades.
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Avaliação Real de Competências : Substitua avaliações decorativas por exames que realmente medem a compreensão, a interpretação e a argumentação do estudante.
O analfabetismo funcional representa um dos maiores desafios da educação brasileira contemporânea. Ele é silencioso, mas devastador. Ao atingir inclusive os que chegam ao ensino superior, revela uma crise profunda na formação do sujeito pensante e do cidadão crítico.
É preciso um esforço nacional para restaurar a centralidade da leitura, da lógica, da filosofia e da escrita significativa na vida escolar e social. Apenas assim poderemos preparar verdadeiramente nossos jovens para viver de forma plena, livre e responsável em uma sociedade cada vez mais complexa e exigente.
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