sábado, 20 de dezembro de 2025

O verdadeiro exorcismo do nosso tempo: destruir a mentalidade contraceptiva

 


O verdadeiro exorcismo do nosso tempo: destruir a mentalidade contraceptiva

A Igreja não está sendo derrotada por exércitos, nem por perseguições abertas, nem por debates universitários. Ela está sendo derrotada dentro de casa, no silêncio dos lares católicos que escolheram a esterilidade como virtude e chamaram isso de prudência. O maior combate espiritual do nosso tempo não acontece nas praças públicas, mas nos ventres fechados e nas consciências anestesiadas pela mentalidade contraceptiva.

Não se trata apenas de um erro moral privado. Trata-se de uma ruptura teológica profunda. O cristianismo nasce da Encarnação: o Verbo não se fez ideia, fez-se carne. Deus escolheu entrar na história por um ventre, não por um manifesto. Toda a história da salvação é marcada pela fecundidade: Abraão gera um povo, Israel cresce, Maria concebe, a Igreja se multiplica. Rejeitar a vida é rejeitar o modo como Deus age no mundo.

A mentalidade contraceptiva é, portanto, uma negação prática da Providência. Ela diz, sem palavras, que Deus não é digno de confiança, que o futuro é ameaça e que o Evangelho não merece continuidade. É uma heresia vivida no cotidiano, mais perigosa do que muitas heresias formuladas em tratados, porque se disfarça de normalidade.

O crescimento do Islã não se explica apenas por fatores políticos ou migratórios. Ele cresce porque acredita, porque gera filhos e porque os educa na própria fé com convicção e identidade. Enquanto isso, o catolicismo ocidental envelhece, esvazia igrejas, fecha seminários e tenta compensar a própria infertilidade com discursos. A história não é moldada por slogans, mas por gerações.

Não é necessário que os muçulmanos dominem o mundo pela força. Basta que os cristãos desistam de existir. Um povo que não gera filhos abdica do futuro. Uma Igreja que fecha o ventre fecha, mais cedo ou mais tarde, o altar. Onde não há crianças, não há vocações. Onde não há famílias fecundas, não há Igreja viva.

A contracepção não é apenas um pecado individual entre marido e mulher. Ela cria uma estrutura de morte espiritual. Produz comunidades envelhecidas, paróquias vazias, dioceses sustentadas por quem ainda crê mais do que aqueles que nasceram nelas. Uma Igreja que teme a vida jamais converterá o mundo.

O verdadeiro exorcismo do nosso tempo não se faz com fórmulas raras, mas com fidelidade concreta. Um casal que confia na Providência expulsa o demônio do medo. Uma família numerosa expulsa o demônio do egoísmo. Uma criança educada na fé expulsa o demônio do relativismo. O inferno teme mais um pai que reza com os filhos do que mil discursos piedosos.

Ter filhos, porém, não basta. É preciso educá-los integralmente na fé católica. A fé não se delega ao Estado, nem à escola, nem a uma catequese diluída. Ela se transmite na mesa, no exemplo, na oração diária, na autoridade paterna e materna vivida com caridade e firmeza. Foi assim que o cristianismo venceu o paganismo do Império Romano, não por maioria política, mas por famílias fecundas e convictas.

Não se trata de ódio ao Islã. O cristianismo não cresce pelo ódio, mas pela verdade vivida sem concessões. A religião verdadeira não precisa destruir o outro; ela simplesmente continua existindo. Quem ama a fé a transmite. Quem acredita no Evangelho deseja que ele continue a ser anunciado, vivido e herdado.

O maior exorcismo contra qualquer erro religioso, contra qualquer ideologia anticristã e contra qualquer projeto de mundo sem Deus é simples, antigo e terrivelmente eficaz: católicos que tenham filhos e os eduquem na fé da Igreja. O resto é ruído.

A escolha diante de nós não é política, nem sociológica. É teológica. Ou a Igreja volta a confiar na vida, ou será substituída por quem ainda acredita em algo. A história nunca teve piedade dos estéreis de alma.

sábado, 13 de dezembro de 2025

A Rebelião dos Filhos Contra os Pais: A Tradição como Inimiga

 


A REBELIÃO DOS FILHOS CONTRA OS PAIS: A TRADIÇÃO COMO INIMIGA
Um olhar firme, poético e sem dourar a pílula

Há épocas em que a humanidade parece caminhar em círculos, mas há outras — como a nossa — em que ela parece correr em disparada, tropeçando na própria pressa. Entre tantas marcas do nosso tempo, uma se repete como um refrão amargo: a rebelião dos filhos contra os pais, quase sempre acompanhada pela desconfiança, quando não pelo desprezo, pela tradição. É como se o passado tivesse se tornado um fantasma incômodo, e os pais, guardiões desse passado, fossem os novos inimigos.

Não há necessidade de dramatizar: basta observar. A história doméstica, essa pequena liturgia do cotidiano, está sendo substituída por narrativas importadas, efêmeras, moldadas por telas luminosas que piscam como oráculos modernos. E, no entanto, os antigos sempre souberam: quem rompe com suas raízes, cedo ou tarde, é levado pelo vento como palha seca.

A rebelião juvenil não é novidade — o Eclesiastes já conhecia o gosto dessa teimosia. Mas o que vemos hoje tem algo mais profundo: não é apenas o desejo de trilhar seu próprio caminho, mas de negar o caminho que veio antes. Os pais, antes mestres, tornaram-se figuras ultrapassadas; e a tradição, antes tesouro, tornou-se peso.

Claro, o humor ligeiro não faz mal: às vezes parece que, para alguns jovens, tudo o que existia antes do próprio nascimento pertence à Idade da Pedra. Mas o problema é sério. Quando a memória se torna irrelevante, a humanidade perde o eixo.

Chamar a tradição de inimiga é como chamar o próprio coração de opressor. A tradição — esta palavra tão esquecida — é o acúmulo da experiência humana que sobreviveu ao teste do tempo. É o fio que liga gerações, o canto que ecoa no escuro indicando por onde já passaram os que amamos.

Negá-la não nos torna modernos; nos torna órfãos.
E órfãos espirituais fazem barulho, mas não sabem para onde caminham.

Por trás dessa revolta contra o passado há muitas causas: a velocidade da vida, a perda da autoridade moral, o colapso das instituições, a crença infantil de que ser livre é não ter limites. Mas a verdade permanece: não há liberdade sem direção, e quem rejeita a tradição rejeita o mapa que poderia guiá-lo.

O mais curioso — e trágico — é que essa ruptura produz fome. Uma fome silenciosa, mas profunda. Fome de sentido, de pertença, de uma herança que não se escolhe, mas se recebe.
E quando essa fome não encontra pão, ela se alimenta de ilusões: ideologias rápidas, espiritualidades de balcão, modas emocionais que prometem muito e sustentam pouco.

No fundo, muitos dos que se rebelam contra a tradição não o fazem por convicção, mas por carência. Rejeitam o passado porque nunca lhes foi mostrado como se deve: com beleza, com firmeza, com amor. E porque a sociedade, em vez de ensinar reverência, ensina consumo — até de ideias.

Como recuperar esse laço entre pais e filhos?
Como restaurar o respeito pela tradição num mundo que corre como se estivesse com pressa de se perder?

A resposta é simples, mas não fácil: é preciso testemunho.
Tradição não se impõe como peso, mas se transmite como herança viva. Filhos escutam menos palavras e mais vidas. Pais que vivem o que dizem, que guardam o que receberam, tornam-se faróis para seus filhos — mesmo que, por um tempo, eles desviem o olhar.

E, claro, é preciso coragem. A coragem de remar contra a maré. De dizer aos jovens, com uma sinceridade quase antiga: “Há sabedoria no que veio antes de ti. Não sejas apressado em desprezar.”

No fundo, a tradição não é inimiga.
Inimigo é o vazio que toma o lugar dela quando a expulsamos.

Este artigo não é um lamento romântico pelo passado, mas um alerta. O mundo moderno diz que para avançar é preciso cortar as âncoras. Mas os antigos sabiam o contrário: sem raiz, a árvore não cresce; cai.

A rebelião dos filhos contra os pais é, no fim, uma rebelião contra a própria história — e sem história, ninguém sabe quem é.

Talvez seja hora de escutar novamente o murmúrio dos antigos, que sopram como vento pelas frestas do tempo: “Não se é menor por respeitar o passado; é-se maior porque se está de pé sobre os ombros de gigantes.”

E assim, quem sabe, os filhos possam reencontrar os pais, e ambos reencontrem o caminho que liga o que fomos ao que ainda podemos ser.

O Jejum da Natividade: uma tradição esquecida do Advento cristão


O Jejum da Natividade: uma tradição esquecida do Advento cristão

Historicamente, o tempo que antecede o Natal nunca foi apenas expectativa festiva, mas um período marcado pela sobriedade, pela vigilância espiritual e pelo jejum. Muito antes de o Advento assumir o caráter predominantemente devocional que hoje conhecemos no Ocidente, ele era vivido como verdadeira preparação penitencial para a grande solenidade da Encarnação.

Nas Igrejas Católicas Orientais e entre a maioria dos cristãos ortodoxos, permanece viva a observância do Jejum da Natividade, que se estende de 15 de novembro até a véspera do Natal, totalizando quarenta dias. Trata-se de uma disciplina inspirada no próprio Cristo, que jejuou quarenta dias no deserto, e na antiga sabedoria da Igreja: jejua-se antes de festejar.

Durante esse tempo, os fiéis são tradicionalmente convidados a abster-se de carne e seus derivados, ovos, laticínios, e, conforme os dias prescritos, também de peixe, vinho e azeite. A disciplina concreta pode variar segundo a tradição litúrgica de cada Igreja e segundo a orientação pastoral, mas o espírito permanece o mesmo: simplicidade, moderação e recolhimento.

O jejum, contudo, nunca foi entendido como mero rigor alimentar ou prática exterior. Ele é inseparável da oração mais intensa, da sobriedade de vida, do domínio das paixões e da caridade concreta. A Igreja sempre ensinou que tais regras não devem ser vividas com legalismo, nem com orgulho, mas segundo as forças de cada fiel, sob discernimento e acompanhamento espiritual.

Por isso, mais do que uma obrigação, o Jejum da Natividade é um convite: um chamado a silenciar os excessos, ordenar os desejos e preparar o coração para acolher dignamente o Mistério do Deus que se faz carne. Redescobrir essa tradição não é um retorno arqueológico ao passado, mas um gesto de fidelidade à pedagogia espiritual da Igreja, que sempre soube que a verdadeira festa nasce da purificação interior.


sábado, 6 de dezembro de 2025

A Grua Entre o Céu e a Pedra: A Conversão de Sami

 


A Grua Entre o Céu e a Pedra: A Conversão de Sami

Nas montanhas antigas, onde o vento parece guardar segredos que nenhum homem ousa repetir, vivia um padre eremita de rito oriental. Todos o chamavam simplesmente de Abuna Elias. Seu eremitério era uma pequena grua de madeira, suspensa entre rochedos, ligada à terra por uma ponte estreita que parecia uma fita de silêncio. No topo, como um farol entre nuvens, erguia-se sua capela minúscula, feita de pedra rugosa, incensada pelo vento e iluminada apenas por uma lamparina que jamais se apagava.

Abuna Elias vivia ali há décadas. Não tinha nada além do essencial: um livro das Escrituras — gastas de tanto serem tocadas — um ícone de Cristo Pantocrator, uma cruz de oliveira, um jarro de água e um tapete de oração. E, mesmo assim, sua solidão era constantemente interrompida. Aquelas alturas eram mais procuradas que muitas cidades da terra baixa, porque a fama do velho asceta corria como um rio subterrâneo: silenciosa, mas viva.

Os peregrinos subiam a montanha carregando pecados, dúvidas, dores e desassossegos. Voltavam, quase sempre, como quem reencontra o fôlego.

Certa manhã, porém, subiu até ele um homem diferente.
Chamava-se Sami, filho de comerciantes. A fama dele também corria — mas pelos motivos errados. Era conhecido pelas trapaças, pelas dívidas, pelo ganho fácil que esfarelava vidas. Viviam dizendo que ele tinha o coração duro “como pedra que nem a água tenta polir”.

Sami chegou diante da grua suando, com o ar perdido, como quem foge de si mesmo. Bateu na porta simples feita de madeira esbranquiçada pelo vento.

Abuna… — chamou, a voz embargada.

O velho eremita abriu. Seus olhos eram límpidos como os das pessoas que já colocaram o mundo inteiro aos pés de Deus.

O que procuras, filho? — perguntou, direto como um machado, mas com a suavidade de quem corta para curar.

Sami respirou fundo, incapaz de inventar desculpas naquele lugar onde até as mentiras desistiam de subir.

— Vim porque… já não sei quem sou. — suas mãos tremiam. — Eu arruinei vidas. Enganei pessoas. E agora alguém veio cobrar o que devo… e não falo de dinheiro.

Os olhos de Abuna Elias permaneceram firmes nele. O silêncio da montanha pesou.

Senta-te. — o padre apontou para um banco estreito. — E escuta a tua alma enquanto ela fala a verdade pela primeira vez.

Sami, como criança que aprende a respirar de novo, contou tudo: negócios sujos, traições, a ganância que devora sem nunca se saciar. Terminou dizendo:

— Não sei como mudar. Temo a justiça de Deus… e temo a vergonha dos homens.

Abuna Elias fechou os olhos e permaneceu assim por um longo tempo. O vento soprou como que passando contas de rosário pelo vale.

O medo da justiça nunca converteu ninguém, Sami. — disse ele, enfim. — Mas o desejo de ser verdadeiro… esse muda até pedra em carne.

O eremita caminhou até o pequeno altar. Pegou sua cruz de oliveira — simples, gasta, mas viva.

Filho, a vida não muda quando tu foges do que foste. Muda quando deixas que Deus te colha como um ramo seco e faça dele lenha para uma nova chama.
— Mas e tudo o que fiz? — perguntou Sami. — Como recomeçar?

Abuna Elias sorriu um sorriso curto, desses que carregam séculos de sabedoria.

Recomeçar é simples. Doloroso, mas simples. Vai até cada pessoa que feriste. Pede perdão. Repara o que puderes. O que não puderes, entrega a Deus e vive de modo que tua nova vida responda pelo passado.

Sami engoliu seco.

— E se me rejeitarem?

Então terás vivido a verdade. E a verdade, meu filho, é sempre o começo da santidade.

Aquelas palavras entraram nele como luz por uma janela fechada há anos.
Naquela hora, Sami chorou — não lágrimas de desespero, mas lágrimas de quem finalmente se encontra.

Desceu a montanha outro homem. Cumpriu o que Abuna Elias mandara: restituiu, pediu perdão, desfez tramas, abriu mão de lucros fáceis, rompeu alianças tortas. Perdeu muito dinheiro — ganhou paz. E no silêncio do coração, percebeu que, pela primeira vez, dormia sem que sua consciência gritasse.

Meses depois, voltou à montanha. Encontrou Abuna Elias rezando diante do ícone.

Abuna… voltei para agradecer. Minha vida começou de novo.
O eremita abriu os olhos, serenos como antes.

Não agradeças a mim, filho. Eu apenas te apontei o caminho. Foste tu quem caminhou. E Deus, como sempre, fez o resto.

Sami sorriu como quem descobre que viver também é uma forma de oração.

E ali, naquela gruta perdida entre céu e pedra, dois homens disseram pouco — porque, quando a graça age, até o silêncio se ajoelha.

sábado, 15 de novembro de 2025

Entre Oriente e Ocidente: quando a fé perde o medo e recupera a maturidade

 


Entre Oriente e Ocidente: quando a fé perde o medo e recupera a maturidade

Há um ponto delicado, quase sempre sussurrado, no diálogo entre a Igreja do Oriente — seja na veste venerável da Ortodoxia, seja nas Igrejas Católicas Orientais — e a Igreja do Ocidente — geralmente identificado com o Catolicismo Latino ou com as muitas seitas protestantes que surgiram a partir dele. O ponto é este: a confusão sobre o que é unidade, e o medo, quase infantil, de perdê-la.

Muitas vezes, no processo de conversão de um católico romano para o Oriente, alguém levanta a sobrancelha: “Mas… e a unidade com o Papa?”. Como se a unidade fosse uma coleira, e não um unidade silencioso entre Cristo e a Igreja.

Lembro-me de um padre latino que disse, com uma franqueza até engraçada:
"O Papa te conhece? Ele sabe quem é você? Não? Então por que esse medo todo?"
Havia, ali, uma verdade dura e simples — a mesma verdade que os antigos monges do deserto falavam sem floreio: confundimos unidade com apego emocional à figura de um homem.

O Ocidente, moldado por séculos de racionalismo e estruturas, acabou fazendo do Papa quase um símbolo mágico: perfeito, inoxidável, infalível por natureza. Como se a infalibilidade fosse um estado permanente e não uma proteção extraordinária em situações específicas.

E aí aparece o paradoxo moderno:
Mesmo quando o Papa erra — e erra como qualquer homem marcado pela queda — muitos fingem não ver. Prefiro cegar a alma para defender uma idealização. É um antigo drama humano: quando o ídolo racha, o devoto cria uma desculpa nova.

O problema não é no Papa — o problema é o sentimentalismo com que se olha para ele.

No campo espiritual, a diferença entre Oriente e Ocidente é ainda mais gritante.
Enquanto, no Ocidente, a espiritualidade muitas vezes deslizou para o território do “eu senti”, “eu chorei”, “meu coração esquentou”, no Oriente a fé é mais viril, mais antiga, mais despojada.

A oração oriental é como uma pedra fria pegando sol: simples, firme, sem floreios.
Não exige arrepios, nem luzes coloridas, nem tremores extáticos.
Exige fidelidade.

Os Padres da Igreja — tanto latinos quanto orientais — nunca definiram fé como sensação.
A fé era conformidade. Era um ato da vontade iluminada pela graça.
Os apóstolos não viviam testando se o Espírito Santo ainda estava no peito porque o corpo esquentou ou não. Se fosse necessário fazer isso, Pedro teria derretido antes de chegar a Roma.

Mas o homem moderno, sentimental até o osso, acha que quando o sentimento acaba, a fé vai embora junto. É como se quisesse transformar Deus num romance adolescente.

E aqui chegamos ao ponto central: falta de maturidade espiritual .
E maturidade espiritual não é dureza, nem frieza — é verdade.
A verdade é que a fé não depende das emoções.
A verdade é que a unidade não depende de idolatria de um patriarca ou de um Papa.
A verdade é que ser católico — seja no Oriente ou no Ocidente — nunca foi sentir coisas, mas fazer o que deve ser feito diante de Deus .

Quando entendemos isso, o Oriente e o Ocidente deixam de ser adversários.
São como dois braços de um mesmo corpo, um mais sensível, outro mais musculoso.
São tradições que se completam, quando vívidas com sobriedade e não com ilusões românticas.

No fim, a conversão verdadeira não é de rito, nem de patriarcado, nem de geografia.
A conversão verdadeira é de uma fé infantil para uma fé adulta , que não se apoia em sensações, nem em pessoas, mas na rocha que não muda: Cristo, a Palavra eterna que fez da Igreja o caminho seguro para a salvação — no Oriente, no Ocidente e nos desertos onde só o silêncio reza.

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

O Feminismo Como Vingança: Ideologia Travestida de Liberdade


O Feminismo Como Vingança: Ideologia Travestida de Liberdade

Há movimentos que nascem da dor e se transformam em virtude; e há os que nascem da ferida e se alimentam dela até o fim. O feminismo moderno pertence ao segundo tipo — não é um clamor por justiça, mas um ato de revanche histórico, disfarçado sob o véu cintilante da “liberdade”.

Ninguém duvida que uma mulher, ao longo dos séculos, tenha sido alvo de injustiças, abusos e silenciamentos. Seria tolice negar isso. Mas o erro fatal do feminismo não foi denunciar o desequilíbrio — foi inverter o eixo, trocando a opressão pela rivalidade. Em vez de buscar a harmonia entre o masculino e o feminino, instaurou-se uma guerra.

A mulher, que outrara era o coração da civilização — a guardiã da vida, a educadora da alma, o rosto da ternura —, passou a ser treinada para desconfiar do homem, desprezar o lar e medir seu valor pela capacidade de imitá-lo. O símbolo da maternidade, que sempre foi coroa e missão, converteu-se em fardo e atraso. A ideologia feminista sequestrou a vocação natural da mulher e a vendeu de volta com outro nome: “autonomia”.

A promessa era simples e sedutora: “Seja livre, faça o que quiser, pertença apenas a si mesma.” Mas, ao perseguir essa miragem, a mulher moderna descobriu que não conquistou a liberdade — apenas trocou de senhor.

Antes, o dever moral e o vínculo familiar lhe davam um sentido. Agora, o mercado e o prazer imediato a governar.

Antes, seu corpo era templo. Agora, é produto.

Antes, sua dignidade vinha de gerar e educar a vida. Hoje, aqueles que serão “empoderados” se puderem destruir o que carrega no ventre.

O feminismo prometeu libertação, mas entregou solidão. Prometeu igualdade, mas semeou rivalidade. Prometeu voz, mas exige obediência cega ao seu próprio dogma ideológico.

A verdade é que o feminismo não busca apenas elevar a mulher — busca rebaixar o homem. É uma vingança histórica, um acordo de contas contra a autoridade, contra o pai, contra Deus.

Não é coincidência que o feminismo mais radical tenha como inimigo principal a figura paterna — símbolo da lei, da ordem e do limite. Ao rejeitar o homem, rejeita-se também a própria estrutura do ser. O resultado é uma sociedade órfã, em que nem o homem sabe ser homem, nem a mulher sabe ser mulher.

Essa ideologia, nascida da revolta, mascara-se com o discurso de igualdade, mas seu coração pulsa ressentimento. A mulher que adere ao feminismo não quer apenas direitos — quer revanche. Quer apagar a memória do patriarcado, mas acaba apagando também a nobreza da feminilidade.

A liberdade da mulher não se encontra no espelho da ideologia, mas na redescoberta da sua essência. A mulher é livre quando é fiel àquilo que Deus inscreveu em sua alma: o dom de gerar, de acolher, de amar.

Não há vergonha de ser esposa, mãe, consagrada, ou mesmo profissional — desde que a vocação seja vívida com alma e não como bandeira. A mulher plena não precisa competir com o homem; basta-lhe ser inteiro em sua própria vocação.

A verdadeira revolução feminina é silenciosa e luminosa: nascem aquelas que compreendem que o amor é mais forte que o poder, e que servir não é ser submissa, mas reinar em profundidade.

O feminismo moderno é uma vingança travestida de libertação, um engano cuidadosamente embalado para parecer obra. É a serpente de outrara sussurrando outra vez: “Sereis como deuses.”

Mas a mulher verdadeiramente livre é aquela que, de joelhos, se ergue mais alta que qualquer império ideológico.

Ela sabe que não precisa provar nada — porque já foi criada à imagem de Deus.

domingo, 19 de outubro de 2025

A Alma Educada: Como a Filosofia Forma o Homem Integral

 


A Alma Educada: Como a Filosofia Forma o Homem Integral

Há uma diferença abissal entre o homem instruído e o homem educado. O primeiro acumula dados, repete teorias, enche-se de títulos. O segundo — o homem verdadeiramente educado — é aquele cuja alma foi moldada pela busca do bem, do belo e do verdadeiro. A filosofia, desde seus primórdios, sempre teve essa missão: não formar especialistas, mas almas ordenadas, capazes de pensar, discernir e amar o que é digno de ser amado.

A palavra “filosofia” significa, literalmente, amor à sabedoria. E o amor, como se sabe, é força que transforma. Não basta saber — é preciso deixar-se plasmar pelo que se sabe. O verdadeiro filósofo não é o que lê muito, mas o que vive o que compreende. Por isso, Platão afirmava que o saber filosófico é purificação da alma, libertação das sombras da ignorância e do imediatismo.

Em tempos antigos, educar era sinônimo de conduzir a alma à sua forma mais elevada. Aristóteles dizia que o fim da educação é a formação do caráter; e os estóicos, que o sábio é aquele que governa suas paixões, vive segundo a razão e é amigo da virtude. A filosofia era um modo de vida — não uma profissão, mas uma vocação.

Hoje, porém, o que chamamos “educação” se tornou mera instrução técnica. Produzimos especialistas que sabem operar máquinas, mas não sabem governar a si mesmos. Criamos mentes ágeis, mas corações vazios. Falta-lhes filosofia — isto é, falta-lhes alma.

A filosofia educa o homem integral porque toca todas as dimensões do ser. Ensina a pensar com clareza, a julgar com justiça, a agir com prudência e a contemplar com reverência. É uma ginástica da razão e uma ascese do espírito. Ela nos recorda que o homem não é apenas um corpo que trabalha, mas uma alma que deseja sentido.

Educar a alma é, portanto, uma tarefa espiritual. É orientar o olhar interior para o alto, como quem reergue uma chama vacilante. É aprender a discernir entre o que é útil e o que é bom, entre o que é agradável e o que é verdadeiro. É, enfim, restaurar a harmonia entre pensamento, palavra e ação.

O homem integral é aquele que pensa com sabedoria, fala com verdade e age com bondade. E tal harmonia não nasce do acaso, mas da disciplina filosófica — da escuta dos grandes mestres e da meditação silenciosa sobre a própria vida.

Enquanto a técnica ensina o homem a fazer, a filosofia o ensina a ser. E entre o fazer e o ser há todo o abismo que separa a máquina da alma.

Talvez este seja o maior desafio do nosso tempo: reeducar a alma humana. Tornar novamente o pensamento uma oração e a sabedoria um caminho. Pois, como lembrava Sócrates, “uma vida sem exame não merece ser vivida”.

E uma educação sem filosofia — acrescentaríamos — não merece ser chamada de formação, mas apenas de adestramento.

Em suma: educar a alma é devolver ao homem sua inteireza. É curá-lo da fragmentação moderna, reconciliando razão e fé, corpo e espírito, tempo e eternidade. A filosofia, quando vivida, é esse remédio suave e severo: cura o olhar, alinha o coração e faz do homem um ser capaz de verdade — e portanto, de plenitude.


quinta-feira, 16 de outubro de 2025

O que é o tudo que deixamos?

 


O que é o tudo que deixamos?

Na vida religiosa, somos constantemente cercados por pessoas curiosas — alguns motivos por admiração, outros por incompreensão. Nem sempre são almas de fé sólidas; Muitos ainda caminham na superfície das coisas, sem tocar o fundo onde Deus habita. Aproximam-se de nós com perguntas, às vezes simples, às vezes desafiadoras. Tentamos sempre, com caridade e serenidade, oferecer-lhes respostas que não sejam apenas palavras, mas testemunho.

E entre todas as perguntas, há uma que ecoa com mais frequência do que qualquer outra:

“O que faz alguém deixar tudo?”

Essa pergunta é o espelho da reflexão do nosso tempo. Porque o homem moderno já não entende o “deixar”, nem tampouco o “tudo”. 

Ele entende de acumular, possuir, controlar, dominar — mas não de oferecer.
E talvez por isso o testemunho de quem renúncia ao amor escandaliza tanto: porque recorda ao mundo o que ele esqueceu — que só o amor dá sentido à entrega.

Mas afinal, o que é isso tudo de que tanto conversamos?

Será o dinheiro ?
Não nos falta o necessário, e aprender que a verdadeira riqueza é não precisar de nada além de Deus.
Será o conforto ?
Vivemos bem, e com a paz que vem da conformidade.
Será que o poder ?
Servimos Àquele que é o Senhor do universo — e em Seu serviço encontra-se realeza.
Será o prazer carnal ?
Os que só conhecem o prazer da carne nunca provaram o júbilo do espírito.

Então o que é esse “tudo” que tanto espanta, esse tudo que deixamos para trás?
Talvez não seja “coisa” alguma, mas um modo de existir .
O “tudo” é o ego que quer reinar.
É o “eu” que exige, que se impõe, que quer dominar até Deus.
É o desejo de ser o centro — a tentação mais antiga da humanidade: “sereis como deuses” (Gn 3,5).

“Deus não tira nada — Ele apenas esvazia as mãos para que possa receber o Infinito.”
-Santa Teresa de Jesus

Deixar tudo, portanto, não é empobrecer, mas abrir espaço .
Não é negar a vida, mas libertá-la da posse.
O “tudo” que deixamos é o direito de mandar em nós mesmos , e em troca recebemos o dom de sermos servos de Alguém maior.

É paradoxal, mas é real: quem se entrega totalmente a Deus, não se anula — se encontra .

“Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por causa de Mim,  encontre-la-á.” (Mt 16,25)

O mundo pensa que liberdade é fazer o que se quer.
Mas isso é escravidão disfarçada — porque quem vive segundo os caprichos da vontade, logo se torna servo de suas paixões.
A verdadeira liberdade é fazer o que se deve , e amar o dever até que ele se torne alegria.

“Servir a Deus é reinar.”

A civilização moderna é marcada por um culto ao eu . Nietzsche proclamou a morte de Deus , mas o que ele realmente matou foi o homem que acreditou em algo maior que si mesmo. Desde então, o altar ficou vazio — e o ego sentou-se sobre ele. O homem moderno adora o próprio reflexo, e chama isso de autonomia.

“O homem que se faz seu próprio deus acaba satisfeito ao pior dos tiranos.”
-Santo Agostinho

Quando o ego é o ídolo, tudo se fragmenta.
A vida se torna uma sequência de desejos insaciáveis, e o coração se perde no ruído das próprias vontades. Quem vive para o “eu” perde o sentido do “nós”, e consequentemente, o sentido de Deus.

E aqui está o ponto: o religioso, ao “deixar tudo”, não foge do mundo — liberta-se do cativeiro de si mesmo. Enquanto o homem comum precisa de mil distrações para sustentar o vazio, o consagrado aprende a habitar no silêncio, onde tudo o que é humano se encontra com o divino.

“No fim, o coração humano tem apenas um desejo: ser possuído pelo Amor que o criou.”
-São João da Cruz

Deixar tudo é um ato de coragem. Mas é também um ato de fidelidade — fidelidade a um chamado que não suporta meias medidas, que exige o todo e devolve o Todo. A vocação é uma chama que consome, mas não queima; é como a sarça ardente que Moisés viu: o fogo é de Deus, e a planta continua viva.

“O amor, quando é verdadeiro, não se mede — consome.”
-Santa Catarina de Sena

Por isso, quando alguém pergunta:
— “Como vocês tiveram coragem de deixar tudo?”
Eu sorrio e respondo:
"Não deixamos nada. Apenas devolvemos o que nunca nos pertenceu."

Porque tudo o que o mundo chama de “tudo” — sucesso, prazeres, controle, opinião — é apenas pó.
E como lembra o Eclesiastes , vaidade das vaidades, tudo é vaidade (Ecl 1,2).
O que deixamos, afinal, é o efêmero. E o que ganhamos é o Eterno.

O mundo nos chama de tolos por termos deixou tudo; mas é o mundo que se perde tentando possuir o que jamais poderá segurar. Deixar tudo é, no fundo, abrir as mãos para receber o infinito.
E só compreende isso quem já ouviu Deus chamar pelo nome, no silêncio do coração.

“Deus basta.”
-Santa Teresa d'Ávila

O verdadeiro exorcismo do nosso tempo: destruir a mentalidade contraceptiva

  O verdadeiro exorcismo do nosso tempo: destruir a mentalidade contraceptiva A Igreja não está sendo derrotada por exércitos, nem por perse...