Há épocas em que a humanidade parece caminhar em círculos, mas há outras — como a nossa — em que ela parece correr em disparada, tropeçando na própria pressa. Entre tantas marcas do nosso tempo, uma se repete como um refrão amargo: a rebelião dos filhos contra os pais, quase sempre acompanhada pela desconfiança, quando não pelo desprezo, pela tradição. É como se o passado tivesse se tornado um fantasma incômodo, e os pais, guardiões desse passado, fossem os novos inimigos.
Não há necessidade de dramatizar: basta observar. A história doméstica, essa pequena liturgia do cotidiano, está sendo substituída por narrativas importadas, efêmeras, moldadas por telas luminosas que piscam como oráculos modernos. E, no entanto, os antigos sempre souberam: quem rompe com suas raízes, cedo ou tarde, é levado pelo vento como palha seca.
A rebelião juvenil não é novidade — o Eclesiastes já conhecia o gosto dessa teimosia. Mas o que vemos hoje tem algo mais profundo: não é apenas o desejo de trilhar seu próprio caminho, mas de negar o caminho que veio antes. Os pais, antes mestres, tornaram-se figuras ultrapassadas; e a tradição, antes tesouro, tornou-se peso.
Claro, o humor ligeiro não faz mal: às vezes parece que, para alguns jovens, tudo o que existia antes do próprio nascimento pertence à Idade da Pedra. Mas o problema é sério. Quando a memória se torna irrelevante, a humanidade perde o eixo.
Chamar a tradição de inimiga é como chamar o próprio coração de opressor. A tradição — esta palavra tão esquecida — é o acúmulo da experiência humana que sobreviveu ao teste do tempo. É o fio que liga gerações, o canto que ecoa no escuro indicando por onde já passaram os que amamos.
Negá-la não nos torna modernos; nos torna órfãos.
E órfãos espirituais fazem barulho, mas não sabem para onde caminham.
Por trás dessa revolta contra o passado há muitas causas: a velocidade da vida, a perda da autoridade moral, o colapso das instituições, a crença infantil de que ser livre é não ter limites. Mas a verdade permanece: não há liberdade sem direção, e quem rejeita a tradição rejeita o mapa que poderia guiá-lo.
O mais curioso — e trágico — é que essa ruptura produz fome. Uma fome silenciosa, mas profunda. Fome de sentido, de pertença, de uma herança que não se escolhe, mas se recebe.
E quando essa fome não encontra pão, ela se alimenta de ilusões: ideologias rápidas, espiritualidades de balcão, modas emocionais que prometem muito e sustentam pouco.
No fundo, muitos dos que se rebelam contra a tradição não o fazem por convicção, mas por carência. Rejeitam o passado porque nunca lhes foi mostrado como se deve: com beleza, com firmeza, com amor. E porque a sociedade, em vez de ensinar reverência, ensina consumo — até de ideias.
Como recuperar esse laço entre pais e filhos?
Como restaurar o respeito pela tradição num mundo que corre como se estivesse com pressa de se perder?
A resposta é simples, mas não fácil: é preciso testemunho.
Tradição não se impõe como peso, mas se transmite como herança viva. Filhos escutam menos palavras e mais vidas. Pais que vivem o que dizem, que guardam o que receberam, tornam-se faróis para seus filhos — mesmo que, por um tempo, eles desviem o olhar.
E, claro, é preciso coragem. A coragem de remar contra a maré. De dizer aos jovens, com uma sinceridade quase antiga: “Há sabedoria no que veio antes de ti. Não sejas apressado em desprezar.”
No fundo, a tradição não é inimiga.
Inimigo é o vazio que toma o lugar dela quando a expulsamos.
Este artigo não é um lamento romântico pelo passado, mas um alerta. O mundo moderno diz que para avançar é preciso cortar as âncoras. Mas os antigos sabiam o contrário: sem raiz, a árvore não cresce; cai.
A rebelião dos filhos contra os pais é, no fim, uma rebelião contra a própria história — e sem história, ninguém sabe quem é.
Talvez seja hora de escutar novamente o murmúrio dos antigos, que sopram como vento pelas frestas do tempo: “Não se é menor por respeitar o passado; é-se maior porque se está de pé sobre os ombros de gigantes.”
E assim, quem sabe, os filhos possam reencontrar os pais, e ambos reencontrem o caminho que liga o que fomos ao que ainda podemos ser.
Nenhum comentário:
Postar um comentário