sábado, 6 de dezembro de 2025

A Grua Entre o Céu e a Pedra: A Conversão de Sami

 


A Grua Entre o Céu e a Pedra: A Conversão de Sami

Nas montanhas antigas, onde o vento parece guardar segredos que nenhum homem ousa repetir, vivia um padre eremita de rito oriental. Todos o chamavam simplesmente de Abuna Elias. Seu eremitério era uma pequena grua de madeira, suspensa entre rochedos, ligada à terra por uma ponte estreita que parecia uma fita de silêncio. No topo, como um farol entre nuvens, erguia-se sua capela minúscula, feita de pedra rugosa, incensada pelo vento e iluminada apenas por uma lamparina que jamais se apagava.

Abuna Elias vivia ali há décadas. Não tinha nada além do essencial: um livro das Escrituras — gastas de tanto serem tocadas — um ícone de Cristo Pantocrator, uma cruz de oliveira, um jarro de água e um tapete de oração. E, mesmo assim, sua solidão era constantemente interrompida. Aquelas alturas eram mais procuradas que muitas cidades da terra baixa, porque a fama do velho asceta corria como um rio subterrâneo: silenciosa, mas viva.

Os peregrinos subiam a montanha carregando pecados, dúvidas, dores e desassossegos. Voltavam, quase sempre, como quem reencontra o fôlego.

Certa manhã, porém, subiu até ele um homem diferente.
Chamava-se Sami, filho de comerciantes. A fama dele também corria — mas pelos motivos errados. Era conhecido pelas trapaças, pelas dívidas, pelo ganho fácil que esfarelava vidas. Viviam dizendo que ele tinha o coração duro “como pedra que nem a água tenta polir”.

Sami chegou diante da grua suando, com o ar perdido, como quem foge de si mesmo. Bateu na porta simples feita de madeira esbranquiçada pelo vento.

Abuna… — chamou, a voz embargada.

O velho eremita abriu. Seus olhos eram límpidos como os das pessoas que já colocaram o mundo inteiro aos pés de Deus.

O que procuras, filho? — perguntou, direto como um machado, mas com a suavidade de quem corta para curar.

Sami respirou fundo, incapaz de inventar desculpas naquele lugar onde até as mentiras desistiam de subir.

— Vim porque… já não sei quem sou. — suas mãos tremiam. — Eu arruinei vidas. Enganei pessoas. E agora alguém veio cobrar o que devo… e não falo de dinheiro.

Os olhos de Abuna Elias permaneceram firmes nele. O silêncio da montanha pesou.

Senta-te. — o padre apontou para um banco estreito. — E escuta a tua alma enquanto ela fala a verdade pela primeira vez.

Sami, como criança que aprende a respirar de novo, contou tudo: negócios sujos, traições, a ganância que devora sem nunca se saciar. Terminou dizendo:

— Não sei como mudar. Temo a justiça de Deus… e temo a vergonha dos homens.

Abuna Elias fechou os olhos e permaneceu assim por um longo tempo. O vento soprou como que passando contas de rosário pelo vale.

O medo da justiça nunca converteu ninguém, Sami. — disse ele, enfim. — Mas o desejo de ser verdadeiro… esse muda até pedra em carne.

O eremita caminhou até o pequeno altar. Pegou sua cruz de oliveira — simples, gasta, mas viva.

Filho, a vida não muda quando tu foges do que foste. Muda quando deixas que Deus te colha como um ramo seco e faça dele lenha para uma nova chama.
— Mas e tudo o que fiz? — perguntou Sami. — Como recomeçar?

Abuna Elias sorriu um sorriso curto, desses que carregam séculos de sabedoria.

Recomeçar é simples. Doloroso, mas simples. Vai até cada pessoa que feriste. Pede perdão. Repara o que puderes. O que não puderes, entrega a Deus e vive de modo que tua nova vida responda pelo passado.

Sami engoliu seco.

— E se me rejeitarem?

Então terás vivido a verdade. E a verdade, meu filho, é sempre o começo da santidade.

Aquelas palavras entraram nele como luz por uma janela fechada há anos.
Naquela hora, Sami chorou — não lágrimas de desespero, mas lágrimas de quem finalmente se encontra.

Desceu a montanha outro homem. Cumpriu o que Abuna Elias mandara: restituiu, pediu perdão, desfez tramas, abriu mão de lucros fáceis, rompeu alianças tortas. Perdeu muito dinheiro — ganhou paz. E no silêncio do coração, percebeu que, pela primeira vez, dormia sem que sua consciência gritasse.

Meses depois, voltou à montanha. Encontrou Abuna Elias rezando diante do ícone.

Abuna… voltei para agradecer. Minha vida começou de novo.
O eremita abriu os olhos, serenos como antes.

Não agradeças a mim, filho. Eu apenas te apontei o caminho. Foste tu quem caminhou. E Deus, como sempre, fez o resto.

Sami sorriu como quem descobre que viver também é uma forma de oração.

E ali, naquela gruta perdida entre céu e pedra, dois homens disseram pouco — porque, quando a graça age, até o silêncio se ajoelha.

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