E entre todas as perguntas, há uma que ecoa com mais frequência do que qualquer outra:
“O que faz alguém deixar tudo?”
Essa pergunta é o espelho da reflexão do nosso tempo. Porque o homem moderno já não entende o “deixar”, nem tampouco o “tudo”.
Ele entende de acumular, possuir, controlar, dominar — mas não de oferecer.
E talvez por isso o testemunho de quem renúncia ao amor escandaliza tanto: porque recorda ao mundo o que ele esqueceu — que só o amor dá sentido à entrega.
Mas afinal, o que é isso tudo de que tanto conversamos?
Será o dinheiro ?
Não nos falta o necessário, e aprender que a verdadeira riqueza é não precisar de nada além de Deus.
Será o conforto ?
Vivemos bem, e com a paz que vem da conformidade.
Será que o poder ?
Servimos Àquele que é o Senhor do universo — e em Seu serviço encontra-se realeza.
Será o prazer carnal ?
Os que só conhecem o prazer da carne nunca provaram o júbilo do espírito.
Então o que é esse “tudo” que tanto espanta, esse tudo que deixamos para trás?
Talvez não seja “coisa” alguma, mas um modo de existir .
O “tudo” é o ego que quer reinar.
É o “eu” que exige, que se impõe, que quer dominar até Deus.
É o desejo de ser o centro — a tentação mais antiga da humanidade: “sereis como deuses” (Gn 3,5).
Deixar tudo, portanto, não é empobrecer, mas abrir espaço .
Não é negar a vida, mas libertá-la da posse.
O “tudo” que deixamos é o direito de mandar em nós mesmos , e em troca recebemos o dom de sermos servos de Alguém maior.
É paradoxal, mas é real: quem se entrega totalmente a Deus, não se anula — se encontra .
“Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por causa de Mim, encontre-la-á.” (Mt 16,25)
O mundo pensa que liberdade é fazer o que se quer.
Mas isso é escravidão disfarçada — porque quem vive segundo os caprichos da vontade, logo se torna servo de suas paixões.
A verdadeira liberdade é fazer o que se deve , e amar o dever até que ele se torne alegria.
A civilização moderna é marcada por um culto ao eu . Nietzsche proclamou a morte de Deus , mas o que ele realmente matou foi o homem que acreditou em algo maior que si mesmo.
Desde então, o altar ficou vazio — e o ego sentou-se sobre ele.
O homem moderno adora o próprio reflexo, e chama isso de autonomia.
Quando o ego é o ídolo, tudo se fragmenta.
A vida se torna uma sequência de desejos insaciáveis, e o coração se perde no ruído das próprias vontades. Quem vive para o “eu” perde o sentido do “nós”, e consequentemente, o sentido de Deus.
E aqui está o ponto: o religioso, ao “deixar tudo”, não foge do mundo — liberta-se do cativeiro de si mesmo. Enquanto o homem comum precisa de mil distrações para sustentar o vazio, o consagrado aprende a habitar no silêncio, onde tudo o que é humano se encontra com o divino.
Deixar tudo é um ato de coragem. Mas é também um ato de fidelidade — fidelidade a um chamado que não suporta meias medidas, que exige o todo e devolve o Todo. A vocação é uma chama que consome, mas não queima; é como a sarça ardente que Moisés viu: o fogo é de Deus, e a planta continua viva.
Por isso, quando alguém pergunta:
— “Como vocês tiveram coragem de deixar tudo?”
Eu sorrio e respondo:"Não deixamos nada. Apenas devolvemos o que nunca nos pertenceu."
Porque tudo o que o mundo chama de “tudo” — sucesso, prazeres, controle, opinião — é apenas pó.
E como lembra o Eclesiastes , “ vaidade das vaidades, tudo é vaidade ” (Ecl 1,2).
O que deixamos, afinal, é o efêmero. E o que ganhamos é o Eterno.
O mundo nos chama de tolos por termos deixou tudo; mas é o mundo que se perde tentando possuir o que jamais poderá segurar. Deixar tudo é, no fundo, abrir as mãos para receber o infinito.
E só compreende isso quem já ouviu Deus chamar pelo nome, no silêncio do coração.
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