sexta-feira, 27 de junho de 2025

ORAÇÃO PARA O DIA DE JEJUM


 ORAÇÃO PARA O DIA DE JEJUM

Senhor, Deus eterno, Criador do céu, da terra e de mim mesmo,
hoje Te dou graças.
Louvo-Te pela harmonia da criação,
pela terra fecunda que faz brotar o pão,
pelo alimento de cada dia
e pelo corpo que me destes, que se nutre e Te serve.

Obrigado, Senhor, por aqueles que cultivam, partilham
e descobrem caminhos de vida.
Obrigado pelos que, mesmo saciados,
têm fome do Teu Pão Celeste.
E obrigado, também, pelos que nada têm —
pois sei que a Tua Providência os alcança
por meio de corações generosos.

Hoje, escolho jejuar.
Não desprezo o que criaste,
mas desejo redescobrir.

Faço jejum porque Teus profetas jejuaram,
Teu Filho jejuou, os apóstolos jejuaram.
Também a Virgem Maria, Tua serva fiel,
chamou-nos ao jejum do coração —
jejum que nasce do amor e se eleva em gratidão.

Ofereço-Te, ó Pai, este dia de renúncia.
No silêncio da fome, quero escutar Tua voz.
No vazio do prato, quero que cresça a plenitude da fé.
Jejuo pelos que têm fome real,
pelos que guerreiam por bens que não salvam,
e por todos os que se tornaram escravos da matéria.

Ofereço-Te este jejum pela paz no mundo ,
pelos interesses do Imaculado Coração de Maria, Rainha da Paz,
por todos os que me pedem orações
e por aqueles por quem sou, em consciência, obrigado a rezar.
Lembra-Te, Senhor, também dos meus interesses pessoais —
aquelas que trago em silêncio no coração.
Tu as conheces melhor do que eu.
Confio-as a Ti com fé,
sabendo que Tua vontade é sempre boa, perfeita e santa.

A fome que hoje eu sinto, ofereço por toda a humanidade.

Perdoa-me, ó Pai, por quando fui cego ao Teu dom,
por quando amei mais os bens que o Bem.
Que o jejum me eduque a saborear melhor tudo o que me cerca —
pessoas, dons, o tempo e o pão.

Hoje, Senhor, alimente-me só de pão,
para registrar que o verdadeiro Pão é Teu Filho na Eucaristia.
Fortaleça em mim a fé e a confiança,
e que o desejo de possuir-Te supere qualquer outro desejo.
Faz-me pobre, segundo o Evangelho,
para que meu coração deseje o Teu Reino com pureza e fervor.

Concede-me, Pai, ver o que tenho em excesso,
para dar a quem não tem.
Ensina-me que sou peregrino —
e que ao partir levarei apenas as obras de amor.
Livra-me do orgulho, do egoísmo,
e dá-me humildade para cumprir Tua vontade com generosidade.

Por este jejum, aplaca minhas paixões,
fortalece as virtudes, purifica minha alma.
Que eu resisto às tentativas
e Te sirva com firmeza, buscando sempre Tua Palavra.

Ó Maria, Mãe da liberdade interior,
ensina-me a jejuar com alegria,
a cantar Contigo um cântico novo de ação de graças.
Que a fome de hoje seja oração.
Que o sacrifício de hoje seja intercessão.
Interceda por mim, Mãe Santíssima!

Que, fortalecido pelo Teu exemplo,
eu me torne mais semelhante a Teu Filho,
Nosso Senhor Jesus Cristo,
no amor do Espírito Santo.

Amém.

quinta-feira, 26 de junho de 2025

O Martírio: A Coroa de Sangue e Glória

 

O Martírio: A Coroa de Sangue e Glória

O martírio é o ápice, o cume da vocação cristã. Não porque desejemos a dor ou tenhamos um fascínio mórbido pela morte, mas porque nele há um mistério profundo: o de se assemelhar ao próprio Cristo, nosso Divino Fundador, que derramou Seu preciosíssimo sangue, puro e inocente, por amor.

Morrer por Cristo não é uma derrota. É a maior das vitórias. O mundo, com sua lógica rasteira e cega, acha que pode calar a voz do Evangelho com facas, bombas ou balas. Pobres almas… Não entenderam nada. O sangue dos mártires é semente. Uma semente que, quanto mais enterrada e regada com dor, mais floresce em fé.

Há dois mil anos começamos com sangue. Não com tapetes vermelhos ou com aplausos de multidões, mas com uma cruz enfiada no chão de um monte esquecido da Judeia, com um corpo dilacerado pendendo entre o céu e a terra, com uma Mãe de pé, firme, aos pés da maior injustiça da História. Foi ali, no Calvário, que nasceu a Igreja. Ali, no sangue derramado por um Inocente.

Quem hoje nos persegue, quem explode igrejas, quem derrama sangue cristão por ódio, pensa que nos aterroriza. Não sabem que para nós, morrer por Cristo é ir direto para os braços do Pai. Não compreendem que nossa vida já está escondida com Cristo em Deus. Não é a faca do fanático, nem a bomba do covarde que decide nosso fim. É a mão de Deus, e só ela.

O martírio não é só o momento da execução. Ele começa muito antes… na fidelidade de cada dia. Na renúncia silenciosa, no “não” firme ao pecado, na perseverança em meio às tentações. Precisamos pedir a graça de sermos fiéis no pouco, para, se Deus quiser, sermos fiéis também no muito… até a última gota.

Que Ele, que derramou até a última gota do Seu sangue, nos dê coragem. Que nos dê a santa ousadia de, se chegar a nossa hora, abraçarmos a cruz com o sorriso dos que sabem que a morte, para o cristão, não é o fim… mas o começo da glória eterna.

Viva Cristo Rei!

domingo, 22 de junho de 2025

Sacerdócio Casado nas Igrejas do Oriente: Entre a Tradição e os Modismos Ocidentais

 


Sacerdócio Casado nas Igrejas do Oriente: Entre a Tradição e os Modismos Ocidentais

Quando se fala em padres casados, muita gente do Ocidente, mal informada ou com pressa de resolver a crise vocacional, já abre um sorriso de orelha a orelha achando que encontrou a solução mágica: "Ah, é só permitir que os padres casem que tudo se resolve!" Pobres almas... Mal sabem elas que estão misturando alhos com bugalhos e esquecendo séculos de história e teologia.

O sacerdócio casado nas Igrejas do Oriente não é fruto de assembleias sinodais, nem de votações pastorais, muito menos de pressões sociais. É um costume que remonta aos tempos apostólicos, nascido no seio das primeiras comunidades cristãs, cultivado com reverência e com uma disciplina clara: casado antes da ordenação, e ponto final.

Padre casado que ficou viúvo? Não casa de novo.
Padre ordenado solteiro? Permanece celibatário até o fim.
Simples assim. Sem modernismos, sem “flexibilizações pastorais”.

Quem acha que ser padre casado é levar uma vida mais fácil, deveria conversar com qualquer sacerdote oriental. O homem carrega o altar e o lar nos ombros, cuida da comunidade e da família, vela pelos fiéis e pelos filhos… e no fim do dia, ainda tem que achar tempo para a oração pessoal. Não é vida para frouxos.

O sacerdócio casado não é uma licença para a mediocridade, nem um prêmio de consolação para quem não quis ser celibatário. É uma vocação dupla, com dupla responsabilidade e, muitas vezes, com dupla cruz.

Outro detalhe que muitos esquecem (ou fazem questão de esquecer): no Oriente, só os celibatários se tornam bispos. Quer defender a tradição? Defenda por inteiro. Nada de querer um "padre casado-bispo" como se fosse a coisa mais natural do mundo. No Oriente, o celibato episcopal é sinal de entrega total e liberdade pastoral.

O grande problema é que muitos, do alto de sua ignorância histórica e teológica, olham para o Oriente e enxergam apenas a parte que lhes interessa: "Padres casados? Ótimo! Vamos fazer isso aqui também!"

Mas esquecem que essa prática oriental está inserida num contexto espiritual, cultural e eclesial que foi amadurecido ao longo de séculos. Não é um tapa-buraco para resolver crise vocacional. Quem tenta importar o modelo oriental para o Ocidente, fora das suas raízes, age como quem planta oliveiras no deserto, sem água e sem raízes. Não vai dar fruto.

Nem Modismo, Nem Revolução… Tradição!

O sacerdócio casado no Oriente não é moda, não é revolução, não é "avanço pastoral". É Tradição. Com T maiúsculo.
Quem quiser entender, que estude.
Quem quiser opinar, que primeiro conheça a história.
E quem quiser transformar isso numa bandeira política, que ao menos tenha a decência de não usar o Oriente como desculpa.

No fim, o sacerdócio – seja ele celibatário ou casado – é sempre chamado ao sacrifício, à fidelidade e à configuração com Cristo. O resto… é conversa de quem nunca ajoelhou no silêncio de um altar.






Validade e Licitude dos Sacramentos Pós-Concílio Vaticano II: Uma Análise à Luz da Tradição.



Validade e Licitude dos Sacramentos Pós-Concílio Vaticano II: Uma Análise à Luz da Tradição

A Santa Mãe Igreja, desde os seus primórdios, sempre zelou com firmeza pela preservação da doutrina, da fé e dos sacramentos que, segundo o ensinamento tradicional, devem manifestar e alimentar a fé católica recebida dos apóstolos. Entre esses tesouros, o rito litúrgico ocupa um lugar central, por ser o modo pelo qual a fé é celebrada publicamente. O rito romano tradicional, consolidado no Missal de São Pio V após o Concílio de Trento, foi por séculos o padrão litúrgico universal da Igreja Latina. É importante esclarecer que o Papa São Pio V não criou a Missa , mas, conforme ele mesmo declarou na bula Quo Primum Tempore (1570), restaurou e codificou aquilo que a Igreja sempre celebrou, expurgando os abusos e erros cometidos por séculos de descuido ou heresia.

A Missa chamada de “Tridentina” ou “de sempre” representa, assim, a expressão litúrgica mais fiel da fé católica no Ocidente por mais de quatro séculos. De São Pio V até, pelo menos, o ano de 1957, este rito foi o único oficialmente prescrito para a celebração do Santo Sacrifício da Missa no rito latino, guardando a integridade das fórmulas, a sacralidade do altar e a clara distinção entre o sacerdote e o povo.

Contudo, com as reformas litúrgicas advindas do Concílio Vaticano II e promulgadas por Paulo VI em 1969, a Igreja assistiu ao nascimento de um novo rito, o Novus Ordo Missae , redigido por uma comissão presidida por Dom Annibale Bugnini e influenciada, segundo diversos relatos históricos (inclusive do Cardeal Alfredo Ottaviani), por consultores de tradição protestante. O próprio Ottaviani, em sua Breve Análise Crítica do Novus Ordo , enviada a Paulo VI em 1969, alertava: “O novo rito representa, tanto em seu conjunto quanto em seus detalhes, um afastamento impressionante da teologia católica da Santa Missa, tal como foi formulado na XX sessão do Concílio de Trento”.


Essa nova liturgia, fruto de uma atitude revolucionária e modernista , acabou por obscurecer elementos essenciais da fé, como a centralidade do sacrifício, a presença real de Cristo, a distinção entre o sacerdote ordenado e o fiel leigo. Uma das consequências mais graves dessa ruptura é a crescente banalização do sacerdócio, com a introdução de ministros extraordinários, celebrações por diáconos e, em alguns casos abusivos, por leigos. Essa prática fere diretamente o princípio católico que ensina que somente um sacerdote ordenado pode consagrar validamente a Eucaristia .

Diante desse cenário, é necessário compreender a distinção fundamental entre validade e licitude de um sacramento. Um sacramento é válido quando é realizado com a matéria, forma e utilidade útil para a Igreja. É lícito quando é realizado segundo as normas canônicas e doutrinais legítimas da Igreja. Portanto, ainda que o Novus Ordo pudesse, em algumas circunstâncias, ser considerado válido, sua licitude permanece duvidosa ou comprometida, especialmente quando adicionados a erros doutrinais, litúrgicos ou abusos à comunidade com um falso pontífice.

Assim, se uma Missa tradicional (rito de São Pio V) para celebrada unida a um homem que ocupa o trono de Pedro mas não possui legitimidade papal, tal Missa, ainda que válida , torna-se ilícita . Da forma, uma missa celebrada mesma de acordo com o rito de Paulo VI, por mais piedosa que parece, pode ser inválida se não observar a forma, matéria e intenção corretas, ou se faltar a ordenação válida do celebrante.

Como católicos conscientes da crise atual na Igreja, não podemos ignorar que muitos dos sacramentos celebrados no contexto do modernismo são, na melhor das hipóteses, duvidosos ; e, na pior, nulos e sacrílegos . É dever do fiel buscar não apenas a aparência externa da fé, mas sua substância real , sua conexão com a tradição de dois mil anos. Como nos alertou São Vicente de Lérins: “devemos seguir aquilo que foi crido em todos os lugares, sempre e por todos” .

A Igreja, em sua história, sobreviveu a perseguições, guerras e períodos de silêncio sacramental, mas nunca sobreviveu sem a fé. A fé é superior aos sacramentos enquanto estes existem para sustentá-la. Portanto, não é lícito nem benéfico frequentar sacramentos duvidosos ou ilícitos , ainda que seja a única opção visível. Em vez disso, o fiel deve santificar o domingo com orações, leituras piedosas, e a recitação do Rosário, suplicando a Deus que envie verdadeiros pastores, que celebrem Missas válidas, lícitas e Traduções a Ele .

Por fim, é necessário anunciar que celebrar ou assistir a Missas Unidas a um falso papa , mesmo quando o rito é tradicional, fere a comunhão verdadeira da Igreja e faz com que o sacrifício se torne ilícito. Isso não prejudica espiritualmente os votos, mas também constitui um ato canonicamente punível. Devemos rezar pelo retorno da autoridade legítima, pela fidelidade à Tradição, e por uma fé firme que rejeita qualquer forma de traição aos mandamentos do Senhor.

 "O culto é a expressão da fé. Mude-se o culto, e a fé também será alterada."
-Dom Marcel Lefebvre

sábado, 14 de junho de 2025

Filosofia, Ironia e Loucura: O Desafio do Pensamento Além da Razão

Filosofia, Ironia e Loucura: O Desafio do Pensamento Além da Razão

A filosofia, desde seus primórdios, sempre se dispôs a questionar as verdades lógicas e, ao fazê-lo, buscou ir além da razão convencional. Entre os muitos instrumentos de reflexão filosófica, a ironia se destaca como uma arma afiada, capaz de revelar as fissuras nas certezas do ser humano. A ironia não é meramente uma forma de humor, mas uma estratégia profunda de desconstrução que, muitas vezes, leva o pensamento a uma linha tênue entre a lucidez e a loucura.

Na filosofia, a ironia não é algo trivial. Ela remonta aos diálogos socráticos, onde Sócrates se posicionava como aquele que "não sabia", questionando e desconstruindo as respostas convincentes, para, ao final, revelar a fragilidade do pensamento humano. Mas a ironia de Sócrates era uma ironia do tipo que nega a verdade, para instigar o pensamento a buscar algo mais profundo. Ela não busca fazer o outro ridículo, mas sim afastar a aparência da verdade em direção ao abismo do desconhecido.

Quando o filósofo usa a ironia, ele não afirma nada com certeza. Ele coloca uma questão sem dar uma resposta, como se fosse uma forma de provocar o interlocutor a pensar além dos limites da lógica. Isso é, em essência, um convite para sair da segurança do saber e entrar na incerteza, no caos da dúvida, onde reside uma verdadeira filosofia.

A linha que separa a ironia filosófica da loucura é tênue. A filosofia, em sua busca incessante pelo sentido da vida, pela compreensão do ser, muitas vezes se depara com uma impossibilidade: entender o que, por sua natureza, é indizível. Essa busca incessante pode levar o pensador ao limite de suas faculdades racionais, para um ponto onde a razão já não responde às perguntas, e o discurso começa a parecer desordenado ou até "louco" para quem observa de fora.

Os filósofos mais radicais, como Nietzsche, compreenderam que a razão humana é limitada e que, em algum momento, a busca pela verdade leva ao abismo. "Deus está morto", disse Nietzsche, e com isso, ele não apenas questionava as estruturas religiosas, mas, mais profundamente, os próprios fundamentos do pensamento humano. Essa afirmação ecoa como uma ironia cruel, que desfaz toda a ordem estabelecida e coloca o homem em um estado de desamparo existencial. Em certo sentido, o filósofo que questiona tudo está, como o louco, indo além dos limites da sanidade convencional.

Se a filosofia é, por sua natureza, uma reflexão profunda e imersiva sobre a existência, a ironia e a loucura parecem ser seus acompanhantes inseparáveis. Um filósofo que se compromete com o pensamento até suas últimas consequências é aquele que, em certo sentido, se vê solicitado a questionar a própria racionalidade. Ao fazer isso, ele pode ser visto como alguém que ultrapassa os limites da razão, entrando em um campo onde a lógica perde sua força.

Nesse sentido, a ironia se torna uma ferramenta para desconstruir as certezas, e a loucura, uma possível consequência do questionamento profundo e incessante. O louco, em muitos aspectos, é aquele que já não vê mais o mundo sob as lentes convencionais, mas sim de um modo desconcertante e revelador. E é esse mesmo olhar que, de maneira irônica, pode trazer à tona uma realidade oculta de nossa existência.

Ao abordar a filosofia, a ironia e a loucura, somos desafiados a compensar nossas próprias certezas e nossa aventura não desconhecida. A ironia, longe de ser uma forma de deboche, é uma estratégia filosófica de desconstrução que coloca a mente à prova, testando seus limites. E a loucura, longe de ser um desvio da razão, pode ser vista como a consequência resultante de um pensamento que não se satisfaz com o óbvio e busca incessantemente pela verdade.

É nesse campo assustador, entre a razão e a loucura, que o verdadeiro filósofo se aventura, e é através dessa tensão que ele revela as verdades mais profundas sobre o ser humano e o mundo. Pois, como já disse o próprio Sócrates, "uma vida sem exame não vale a pena ser vivida". E talvez seja exatamente isso que torna a filosofia, a ironia e a loucura tão interligadas: todas elas nos convocam um olhar para o abismo e, ao fazê-lo, a redescobrir a profundidade de nossa existência.

quinta-feira, 12 de junho de 2025

O Amor de Vitrine: Reflexões de um Dia dos Namorados no Shopping



O Amor de Vitrine: Reflexões de um Dia dos Namorados no Shopping

Ontem fui ao shopping. Era véspera do Dia dos Namorados. Estava tudo impecavelmente decorado, corações suspensos como frutas em árvores artificiais, músicas melosas tocando no sistema de som e filas nas lojas de perfumes, chocolates e bichinhos de pelúcia. Um cenário cuidadosamente construído para nos fazer sentir que o amor está no ar — ou, pelo menos, no cartão de crédito.

Observei. Senti-me num banco qualquer, como quem assisti a uma peça antiga encenada com novos sensores, mas o mesmo roteiro gasto. Vi casais trocando presentes, jovens e não tão jovens com sacolas coloridas, embalagens de luxo, beijos apressados, selfies ensaiadas. E, no entanto, não vi compromisso.

Vi o mimo. Mas não vi o “sim”.

Vi alianças de prata, mas sem intenção de selar alianças eternas.

Vi o esforço para agradar, mas nenhum esforço para construir juntos uma vida.

Ninguém falou de casamento. Ninguém mencionou seus filhos. Vi paixões intensas, mas passageiras como as vitrines que, em quinze dias, já oferecem vendendo outro feriado qualquer. Vi “relacionamentos” que parecem contratos de locação: sem multa para quem quiser sair a qualquer momento.

Senti um aperto no peito. Não por amargura — Deus me livre disso — mas por uma profunda compaixão por essa geração que aprendeu a chamar de "liberdade" aquilo que é, na verdade, medo disfarçado de autonomia. Medo de doar-se por inteiro, medo de prometer, de sacrificar, de morrer para si mesmo para fazer o outro viver. O amor, hoje, não quer cruz.

Estamos numa crise. Não de consumo — esse vai muito bem, obrigado. Mas de significado. O amor virou performance, e o romantismo uma estética sem substância. Os gestos continuam: flores, jantares, mensagens. Mas o sentido que os sustentava — o desejo de construir um lar, de educar filhos, de envelhecer ao lado de alguém — esvaneceu-se.

Não sou contra o namoro. Pelo contrário. É uma bela escola do amor. Mas um namoro sem rumor, sem vocação à totalidade, torna-se apenas um passatempo. E o amor não é passatempo. É vocação. É projeto. É semente lançado no solo com a esperança de frutos — não apenas flores.

Enquanto isso, seguimos vendendo casais sorrindo para selfies, mas fugindo da entrega. Fazendo juras, mas evitando votos. E por isso nossa sociedade se desmancha em relações opostas como os papéis de presente desempenhados nas lixeiras ao fim do dia.

Que o próximo Dia dos Namorados não seja apenas mais um episódio da novela "Amores de Aparência", mas um convite a redescobrir o que é amar de verdade: com coragem, com fidelidade, com abertura à vida. Com aliança no dedo e no coração.






E se Platão vivesse hoje, no século XXI?

E se Platão vivesse hoje, no século XXI?

Uma caverna? Ó alimentação infinita.
Como sombras? Fake news, filtros de vaidade, frases mastigadas.
Uma verdade? Pisoteada por vozes que gritam mais do que pensam.

Platão talvez trocou a túnica por um blazer amarrotado, abriu
um canal no YouTube chamado A República e ficou soterrado por vídeos de danças e profecias de WhatsApp.

Sócrates? Cancelado antes do segundo café,
culpado de heresia por perguntar demais.
Uma nova academia? Um grupo no Telegram — três membros e uma alma inquieta.

E mesmo assim, ele nos lembraria:

“O castigo dos que se recusam a pensar a política
é viver sob o jugo dos que só pensam nela.”

Veria um mundo intoxicado de dados
e faminto de sentido.

Mas se ainda há quem pergunte,
quem leia entre as linhas,
quem desconfie da primeira resposta…

Talvez Platão sorrisse.
E com a paciência dos que sabem que a verdade não grita,
sentesse.
Para ouvir.
E, quem sabe, ensinando — uma vez mais.

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Santa Teresinha do Menino Jesus: A Grandeza Escondida na Pequenez

 

Santa Teresinha do Menino Jesus: A Grandeza Escondida na Pequenez

Há uma imagem comum — e profundamente equivocada — que muitos ainda carregam de Santa Teresinha do Menino Jesus: a de uma santinha doce, frágil, quase infantilizada, enredada numa espiritualidade melosa e ingênua. Nada poderia estar mais longe da verdade. A leitura rasa de História de uma Alma tem sido feita com que muitos veem sua “pequena via” como uma trilha sentimental, cândida, quase romântica. Mas Santa Teresinha não era uma florzinha de estufa — era uma tocha de fogo no Carmelo.

Ler as obras completas de Santa Teresinha — e não apenas os trechos isolados, desgastados pela reprodução devocional — é deparar-se com uma alma que compreendeu o Mistério da Cruz como poucos. Sua santidade não é ausência de lutas, mas não é modo como oferecer cada gota de sofrimento, cada segurança espiritual, como incenso queimando diante de Deus. Não era uma mulher que “sentia” muito. Era uma mulher que escolheua amar , mesmo quando não sentia nada.

E isso muda tudo.

A sua “infância espiritual” é um eco direto do Evangelho: “Se não vos fizerdes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus”. Mas essa infância não é sentimentalismo — é confiança heróica, é abandono total, é aceitar ser pequeno quando o mundo exige grandeza artificial. Sua pequena via é, na verdade, uma montanha íngreme, planejada de estrada simples.

A História de uma Alma não é uma biografia no sentido moderno, tampouco um tratado de teologia. É um relacionamento íntimo, um testamento de amor, escrito sob conformidade. Ali, vemos os bastidores da alma que se fez pequenina para ser gigante no Céu. Não é uma narrativa para ser lida com pressa ou com os olhos do mundo, mas com o coração disponível para se deixar transformar.

Quem lê Teresinha apenas como quem folheia um diário piedoso, perde o tesouro escondido. Ali há uma mística poderosa, revelada aos grandes doutores da Igreja. Uma diferença? Ela diz tudo com a linguagem dos simples. E é isso que mais assusta: sua profundidade se esconde na superfície.

Quando João Paulo II a declarou Doutora da Igreja, muitos estranharam: “Mas o que ela escreveu de tão grande?”. Essa pergunta já denuncia o olhar invejado. Teresinha não fez tratados densos em latim, mas encarnou com radicalidade o Evangelho. E isso é o que mais falta hoje: não tanto teologia que se lê, mas teologia que se vive.

Santa Teresinha entendeu que ser santo não é fazer coisas extraordinárias, mas fazer o ordinário com amor extraordinário. E isso exige uma coragem que poucos têm.

Vivemos tempos em que tudo precisa parecer grande, complexo, inovador. Teresinha caminha na contramão: ela nos lembra que Deus se inclina sobre o pequeno, o escondido, o nada. Ela não quis ser santa à força de penitências espetaculares, mas entregando os detalhes: o sorriso que custa, o silêncio que salva, a dor que ninguém vê.

Sua via não é fuga, é enfrentamento. É descer ao fundo da própria alma e ali descobrir que é o Amor quem nos sustenta.

É hora de devolver a Santa Teresinha sua verdadeira estatura: não a de uma bonequinha piedosa, mas a de uma gigante da fé, uma guerreira escondida sob véus de ternura. A infância espiritual que ela nos propõe é revolucionária: é o abandono radical nas mãos de Deus.

Santa Teresinha do Menino Jesus não é pequena. Ela é, nas palavras do próprio Cristo, uma das maiores no Reino dos Céus — justamente porque se fez a menor de todos.

domingo, 1 de junho de 2025

O Verme, a Carne e a Imortalidade: Uma Dedicatória à Literatura Brasileira.

 

O Verme, a Carne e a Imortalidade: Uma Dedicatória à Literatura Brasileira

Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico, como saudosa lembrança, estas memórias póstumas.

Assim se abre Memórias Póstumas de Brás Cubas , não com perfume de flores frescas ou promessas vãs, mas com o hálito da morte e um sorriso enviado. Nada de véus, nada de salamaleques. Machado de Assis não oferece flores ao leitor: oferece ossos. Com essa lâmina inicial, fria e definitiva, ele crava na pedra da literatura brasileira a sua heresia inaugural. Escrever, não para agradar — mas para desenterrar. A primeira lição é clara como um epitáfio: aqui, não se corta o público — escreve-se para os vermes. Eles sim, críticos honestos, imunes a modismos e vaidades.

Ah, uma literatura brasileira! Nascida entre a senzala e o salão, ela pulsa com sangue contraditório, profundamente humano, cruel e místico. Enquanto os românticos se afogavam em lágrimas de papel-perfumado, Machado empunhava a pena como um bisturi, abrindo as vísceras da alma com eficácia cirúrgica. Não há ilusão nem ornamento — há apenas o crucifixo da existência, esculpido em prosa.

Quem lê essa dedicatória sem estremecer, ou leu superficialmente... ou já foi devorado por dentro.

Machado não oferece seu livro a uma musa etérea, nem ao Deus dos altares, nem ao “povo” — esse ente abstrato tão interessante usado e tão pouco lido. Dedicou-o ao verme. Porque o verme não elogia, o verme não interpreta. Ele consome. E nisso há uma espécie de justiça. O verme é o único leitor que nos lê por inteiro — da epiderme ao osso. É a ele que Machado confia em sua obra, porque nele reconhece o único olhar verdadeiramente imparcial da eternidade.

Essa dedicatória não é mero artifício: é um testamento. Um gesto que fere como um punhal e ilumina como relâmpago. É uma declaração de princípios de uma literatura que não veio para consolar, mas para escancarar. Um chamado à lucidez sem eufemismos. À arte sem maquiagem.

E como isso nos diz respeito!

Machado é o ápice da literatura brasileira porque compreendeu o país por dentro — um país que sorri enquanto apodrece, que sonha em versos enquanto tropeça em injustiças. Ele escreve do alto do mausoléu, mas com os pés fincados no chão batido do Brasil. Sua ironia não é deboche: é o retrato reluzente de nossa hipocrisia cotidiana. Lemos, rimos, engasgamos — porque ali é a alma brasileira: trágica, farsesca, encantadora.

Memórias Póstumas de Brás Cubas não é só um romance: é um réquiem para o ego, uma missa literária onde o defunto é o narrador e o leitor é o cadáver adiado. Publicado em 1881, continua a trovejar em meio à mediocridade branda do nosso presente editorial. Num mundo sedento por likes e frases feitas, essa dedicatória ecoa como uma profecia esquecida: a verdadeira literatura não bajula — ela corroi, desnuda, e permanece.

Celebremos, pois, esse trecho inaugural como quem lê uma escritura sagrada. Porque, de certo modo, é. Uma inscrição na lápide da vaidade, uma oferta à lucidez, um brinde aos que ousam escrever como se já fizeram morrido — e, por isso mesmo, vivem para sempre.

Machado entregou seu livro ao verme, mas deixou a nós — pobres vivos — a dádiva amarga da sua genialidade. E que fortuna é essa: sermos lidos por um morto mais vivo do que todos nós.

O Feminismo Como Vingança: Ideologia Travestida de Liberdade

O Feminismo Como Vingança: Ideologia Travestida de Liberdade Há movimentos que nascem da dor e se transformam em virtude; e há os que nasce...