domingo, 21 de setembro de 2025

Entre Aristóteles e TikTok: Por que a Virtude Foi Esquecida?

 


Entre Aristóteles e TikTok: Por que a Virtude Foi Esquecida?

Há uma pergunta que paira sobre a nossa época como uma sombra silenciosa: por que a virtude foi esquecida?

Em tempos passados, quando Aristóteles ensinava no Liceu, quando os Padres da Igreja meditavam à luz da Escritura, e quando São Tomás de Aquino tecia com precisão as linhas da filosofia e da teologia, falar de virtude era falar da própria vida humana em sua essência. Hoje, porém, o termo soa estranho, quase arcaico, e foi substituído por palavras cintilantes, mas vazias: “sucesso”, “likes”, “autoexpressão”.

O filósofo de Estagira ensinou que a felicidade ( eudaimonia ) não é um acaso, nem tampouco uma emoção passageira, mas o fruto de uma vida orientada pela excelência moral. “A virtude é adquirida pelo hábito” , dizia ele. E esse hábito é uma escola de paciência, esforço e disciplina interior. Ser feliz, para Aristóteles, não era ceder ao impulso, mas formar o caráter; Não era viver para o instante, mas para o bem maior.

Agora, em que abismo caímos? O que outrora era uma ascensão pela escada da virtude tornou-se, na era digital, uma corrida frenética pelo aplauso instantâneo. A cultura do TikTok, dos vídeos de segundos, não nos ensina a pensar, mas a reagir; Não nos formamos em hábitos sólidos, mas em reflexos imediatos. O homem, que deveria ser escultor de si mesmo, tornou-se mero produto de algoritmos.

A modernidade, ao rejeitar a tradição, também rejeitou a própria linguagem da virtude. Termos como prudência, justiça, fortaleza, temperança — colunas da vida ética para Aristóteles e São Tomás — foram substituídos por expressões como “ser autêntico”, “seguir o coração”, “buscar a própria verdade”. Mas, quando cada um cria sua verdade, o que resta senão uma sociedade fragmentada, incapaz de convergir para um bem comum?

Santo Agostinho já percebeua este perigo: "A liberdade sem a verdade é apenas outro nome para a escravidão" . Ao perdermos o referencial do Bem objetivo, transformamos a liberdade em capricho, e o capricho em tirania.

Se Aristóteles via na virtude o caminho para a verdadeira felicidade, a cultura contemporânea trouxe a felicidade ao prazer imediato. Mas prazer não é fim; é consequência. O prazer pode acompanhar a virtude, mas não a substituir. A geração moldada pelo consumo instantâneo e pelas redes sociais foi treinada para confundir o brilho com a luz, o ruído com a música, a emoção com a alegria.

Como anuncia Josef Pieper, filósofo do século XX: "A cultura do ócio não é a cultura do tédio, mas a condição da contemplação. Sem contemplação, não há cultura" . Agora, numa era em que cada segundo precisa ser preenchido por estímulos, a contemplação é impossível, e a virtude, invisível.

Aristóteles não conhecia os homens perfeitos, mas os homens falíveis. Ele sabia que a virtude exige treino — assim como o corpo precisa de exercício, a alma precisa de disciplina. A pedagogia da virtude não é espetáculo, mas repetição; não é espetáculo, mas silêncio; não é novidade, mas constância.

Na cultura do TikTok, nada é constante: tudo deve mudar a cada quinze segundos. E, assim, como aprender a virtude se nem sequer aprender a permanecer? Como alcançar a sabedoria, se não suportamos o tédio fecundo que antecede a compreensão?

Contra esse cenário, a tradição filosófica e cristã permanece como farol. Santo Tomás de Aquino, ao beber em Aristóteles e elevá-lo à luz da fé, ensinou que a virtude humana só se cumpre plenamente na caridade, que é participação no amor divino. A virtude não é mero exercício ético, mas caminho de santidade.

Redescobrir a virtude hoje é mais do que recuperar uma categoria filosófica: é reencontrar a possibilidade da própria humanidade. É afirmar que o homem não é um animal de cliques, mas um ser racional, espiritual, chamado à eternidade.

A pergunta não é se o mundo atual pode redescobrir a virtude, mas se houver homens dispostos a observar contra a corrente do imediatismo. Virtude não dá audiência. Prudência não viraliza. Temperança não rende curtidas. Mas é justamente nelas que está a salvação da alma e da civilização.

Entre Aristóteles e o TikTok, cada homem precisa escolher onde firmará sua morada: na areia movida do efêmero, ou na rocha sólida do eterno. Pois, como já dizia o próprio Aristóteles, "Nós somos aquilo que repetidamente fazemos. A excelência, portanto, não é um ato, mas um hábito" .

Se a virtude foi esquecida, cabe a nós recordá-la — com a vida, com o exemplo, com a fidelidade. Pois só assim, no meio do ruído e do fluxo incessante, poderemos ouvir novamente a voz da sabedoria que nunca envelhece.

Referências

  • Aristóteles . Ética a Nicômaco . Trad. Antonio Pinto de Carvalho. São Paulo: Édipro, 2017.

  • Santo Agostinho . Confissões . Trad. Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo: Paulus, 2004.

  • São Tomás de Aquino . Suma Teológica . I-II. Trad. Alexandre Correa. São Paulo: Loyola, 2001.

  • Chesterton, G. K. Ortodoxia . Trad. Almiro Piseta. São Paulo: Mundo Cristão, 2014.

  • Pieper, Josef . Ócio e Culto: A Base da Cultura . São Paulo: É Realizações, 2010.

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