segunda-feira, 30 de junho de 2025

Toque e Cura

 


Toque e Cura

Há uma cena no Evangelho que atravessa os séculos com a força de um suspiro desesperado: uma mulher, anônima, escondida no meio da multidão, doze anos de sofrimento, sangrando vida e esperança dia após dia. Ela não tem discurso elaborado, nem planos mirabolantes. Ela tem apenas uma certeza simples, quase infantil, mas de uma fé violenta: "Se eu ao menos tocar na orla do manto dele, serei curada."

Ali estava a síntese de toda a alma humana em sofrimento: o desejo puro, concentrado e radical de querer viver, querer sarar, querer voltar a ser gente. Não pediu atenção, não pediu uma consulta, não quis explicar teológica sobre a origem de sua dor. Ela queria o toque. Só o toque.

Cristo, que conhece o peso de cada lágrima derramada no silêncio dos quartos escuros, percebe o toque, sente a força que sai dele mesmo, e se vira para ela. Não porque o toque em si teve um poder mágico, mas porque aquela mulher já estava curada antes mesmo de tocar. O toque era só o selo. O que você curou foi o querer.

Agora, transportamos isso para uma cena discreta, mas igualmente sagrada, da sala de psicoterapia.

O paciente chega. Muitas vezes, também sangrando invisivelmente há anos. Sangue emocional, afetivo, existencial. Alguns vêm arrastados pela família, outros com olhares cansados, céticos, desiludidos de tudo. Mas quando, num lampejo de verdade interior, o paciente diz, mesmo que timidamente: "Eu quero mudar" , "Eu quero entender" , "Eu quero parar de sofrer" , ali está o toque. Ali, o processo começa. Antes da técnica, antes da intervenção, antes do diagnóstico manual, existe o querer. Um querer que abra portas internas que nenhum terapeuta, por mais habilidoso, conseguiria forçar.

Na terapia, o toque da barra do manto se transforma no primeiro "quero" sincero.

A psicoterapia, assim como a cura de Cristo, não é um truque de palco, nem uma fórmula instantânea. É um encontro. Um terapeuta oferece o caminho, segurança a lanterna, ajuda a atravessar os cantos escuros da alma. Mas o passo… o passo tem que vir de dentro. Tem que vir daquele querer profundo, que às vezes nem sabe nomear o que deseja, mas sabe que não pode mais continuar sangrando.

No fim, o processo terapêutico é essa peregrinação até a orla do manto.

O terapeuta pode mostrar o caminho, mas é o paciente que estende a mão.

É o que eu quero que cure.



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