quarta-feira, 21 de maio de 2025

Silêncio e Solidão: Espaços Perdidos da Alma Moderna


 Silêncio e Solidão: Espaços Perdidos da Alma Moderna.

Vivemos tempos barulhentos. Não apenas pelo ruído das ruas, das redes sociais, dos aparelhos eletrônicos e da velocidade da informação. Vivemos sobretudo um barulho interior, contínuo e dissonante, que aliena o homem de si mesmo. O silêncio tornou-se incômodo. A solidão, um mal a ser evitado a qualquer custo. E, com isso, a alma moderna foi perdendo os espaços mais preciosos para sua escuta, cura e transfiguração.

Blaise Pascal já anunciava que "toda a infelicidade dos homens deriva de uma única coisa: não saber permanecer em repouso dentro de um quarto" . Esta frase, escrita no século XVII, parece escrita para nós, do século XXI. Incapazes de habitar o silêncio, preferimos nos ocupar. Preferimos a distração ao invés da contemplação, ou o excesso ao invés da interioridade.

O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han descreve essas características como a “sociedade do cansaço”, onde o excesso de estímulos gera uma hiperatividade que nos impede de parar. Não há mais tempo para o recolhimento. E, sem recolhimento, o homem se fragmenta. Perde o eixo, desconecta-se de sua dimensão mais profunda. A alma, sem espaço, adolescente.

No Antigo Testamento, o profeta Elias encontra Deus não no terremoto, nem no fogo, mas numa brisa suave — em hebraico, um "sussurro delicado" (1Rs 19,12) . Os Padres do Deserto, herdeiros dessa tradição bíblica, ensinaram que o silêncio é o lugar onde Deus fala. O silêncio não é ausência de som, mas presença densa do essencial .

Na tradição hesicasta do cristianismo oriental, o silêncio (hesychía) é condição para a oração pura. Nele, o coração é purificado, a mente se aquieta, e a pessoa entra em comunhão com o divino. Este silêncio é terapêutico e teológico. Ele não apenas cura o psiquismo fragmentado, mas permite que a alma reencontre seu centro em Deus.

A solidão, por sua vez, não é isolamento. A solidão fecunda é diferente da fuga egoísta. Santo Agostinho distinguiu bem isso quando, ao narrar sua conversão nas Confissões , mostra como foi no recolhimento solitário do jardim que escutou o apelo divino: “Toma e lê” . A solidão permitiu-lhe ouvir algo que o ruído de suas paixões abafava.

Thomas Merton, monge trapista do século XX, dizia que a solidão é o lugar onde o verdadeiro eu posso emergir. Para ele, o homem moderno tem medo da solidão porque ela o obriga a confrontar o vazio que habita dentro de si — um vazio que, no fundo, clama por Deus.

A cultura contemporânea, marcada pelo culto à produtividade e à visibilidade, vê o silêncio e a solidão como perda de tempo. As redes sociais incentivam a exposição constante, como se a existência precisasse ser validada pelo olhar do outro. Mas o excesso de exterioridade rouba a profundidade.

O resultado é uma sociedade hiperconectada e emocionalmente desnutrida. Pessoas cercadas de vozes, mas solitárias. Vidas ocupadas, mas vazias. Mentes activas, mas confusas. Sem silêncio e sem solidão, o homem se torna superficial.

Para que a alma humana floresça, é preciso resgatar os espaços do silêncio e da solidão. Crie momentos de pausa, de contemplação, de oração. Procure um “quarto interior” onde se possa estar consigo mesmo — e, ali, encontrar-se com Deus.

Não se trata de abandonar o mundo, mas de se instalar no meio dele . Um coração que sabe silenciar carrega consigo um oásis, mesmo no deserto das multidões. Um espírito que aprendeu a estar só nunca se sente totalmente perdido, mesmo entre as distrações.

Silêncio e solidão são como dois braços que sustentam a alma. São caminhos de interioridade, portas para o sagrado, lugares onde a verdade não apenas se revela, mas transforma. A alma moderna os perdeu. Mas é possível reencontrá-los. Começa com um gesto simples: desligar o que nos dispersa, abrir o que nos conecta — e deixar que Deus fale, no fundo do coração.

Como dizia São João da Cruz: “O Pai pronunciou uma única Palavra: o seu Filho. E esta Palavra permanece em silêncio. E é no silêncio que ela deve ser escutada.”


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