O
Culto ao Sucesso e o Esvaziamento da Alma
Vivemos numa sociedade que transformou o sucesso num
valor supremo, elevado ao status de virtude absoluta. Em nossos tempos, não
basta viver: é preciso performar, impressionar, ser relevante. A linguagem do
mercado invadiu a alma. Somos avaliados como produtos, comparados em métricas
de desempenho, posicionamento e visibilidade. Ser alguém passou a significar
ser notado.
Essa idolatria do sucesso não é neutra. Ela impõe um
ritmo, molda afetos, corrói a interioridade. Aos poucos, a alma vai se
adaptando a essa lógica. Em vez de buscar o verdadeiro, o bom e o belo, passa a
buscar o útil, o eficaz e o rentável. A ética cede lugar à estética do
prestígio. A verdade é sacrificada no altar da autopromoção. A vida interior –
esse território sagrado onde Deus fala em silêncio – torna-se desabitada.
O resultado é um mal silencioso, porém generalizado: o
esvaziamento da alma.
Estamos diante de uma epidemia de ansiedade, fadiga
existencial, síndrome do impostor, vazio afetivo e perda do sentido da vida.
Nunca se falou tanto em "autoestima", e nunca foi tão difícil
sustentar o próprio valor sem o aplauso alheio. O culto ao sucesso gera o vício
da validação externa, e quem vive dele está sempre à beira do colapso
emocional. Como dizia Kierkegaard, “o maior perigo não é perder tudo, mas
perder-se a si mesmo”.
Essa crise não é apenas psicológica; é ontológica. A
alma foi feita para o eterno, mas é mantida cativa pelo transitório. É como um
pássaro que, tendo sido criado para voar nos céus da eternidade, contenta-se em
empoleirar-se nos galhos frágeis do reconhecimento humano.
Os Padres do Deserto, místicos do século IV, chamavam
essa tentação de "glória vã" (kenodoxia). Ela é a busca desordenada
por aplauso, por admiração, por fama. Uma armadilha sutil que enche o ego e
esvazia o espírito. O monge Evágrio Pôntico, um dos primeiros psicólogos da
alma cristã, advertia que a vanglória é uma paixão que simula virtude, mas
escraviza o coração. Ela transforma a vida espiritual em espetáculo, o serviço
em palco, a oração em autopromoção.
Hoje, essa mesma lógica se infiltra inclusive na vida
religiosa, nas obras de caridade, no ministério pastoral. Até mesmo os que se
dizem consagrados a Deus podem cair na armadilha de querer ser vistos,
comentados, elogiados. O sucesso converte-se num simulacro de bênção divina, e
o fracasso é interpretado como ausência de fé. Isso é profundamente
anticristão. Cristo foi “homem de dores, experimentado no sofrimento” (Is
53,3). Sua glória passou pela cruz, não pelo aplauso.
A tradição cristã nos convida a um caminho inverso: a kénosis , o esvaziamento de si. São Paulo escreve que Cristo “não se apegou à sua igualdade com Deus, mas se humilhou, assumindo a condição de servo” (Fl 2,6-8). Esse é o modelo: não a ascensão social, mas a descida amorosa; não o sucesso, mas a fidelidade; não a visibilidade, mas a comunhão. O Reino de Deus é como o grão de trigo que cai na terra e morre – e só assim dá fruto.
Numa cultura embriagada pelo sucesso, redescobrir o valor da vida interior é um ato contracultural. É preciso resgatar o silêncio, a lentidão, a oração sem pressa, a leitura meditativa da Escritura, o contato com a beleza que não precisa ser exibida. É nesse espaço que a alma se reconstrói. É ali que se ouve novamente a voz do Senhor, que não grita nas praças, mas sussurra no deserto (cf. 1Rs 19,12).
Não é errado prosperar, realizar boas obras, crescer profissionalmente ou alcançar metas. Mas quando isso se torna absoluto, desloca o eixo da existência. O que era para ser meio convertido em fim. E o homem perde-se. Ele corre o mundo, mas não encontra segurança. Edifica torres, mas o interior de sua casa está em ruínas. Como disse Santo Agostinho: “Fizeste-nos para Ti, e inquieto está o nosso coração enquanto não está relacionado em Ti”.
O verdadeiro sucesso é ser quem fomos chamados a ser diante de Deus. É viver com integridade, mesmo quando ninguém vê. É amor com generosidade, mesmo sem retorno. É ser fiel ao bem, mesmo no anonimato. É morrer para o ego, e permitir que Cristo viva em nós.
Talvez seja esse o paradoxo mais libertador da vida cristã: o fracasso aos olhos do mundo pode ser uma porta estreita para a plenitude da alma. E a alma cheia de Deus não precisa do mundo para saber quem é.
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