A
Idolatria do Vazio e o Julgamento de Virgínia: Um Desabafo Filosófico sobre a
CPI das Bets.
Vivemos uma época em que o superficial substitui o essencial, o entretenimento ocupa o lugar da verdade, e o engajamento digital se impõe como medida da relevância humana. A convocação da influenciadora Virgínia Fonseca à CPI das Bets, realizada no Senado, no dia 13 de maio, não é apenas mais um episódio midiático. É um reflexo nítido da crise moral e antropológica que nos atravessa como cultura. O que está em jogo não é apenas a legalidade de um contrato publicitário. É o colapso ético de uma sociedade que já não sabe mais discernir o bem do mal, o justo do oportunista, o exemplar do influente.
Virginia foi ouvida como testemunha em uma investigação que investiga a promoção de jogos de azar online por influenciadores digitais. As acusações envolvem contratos de publicidade atrelados a casas de apostas — prática perigosa por si mesma, mas ainda mais alarmante quando se sabe que boa parte do público-alvo são jovens e pessoas vulneráveis à compulsão e à ilusão do lucro fácil. Muitos desses contratos, segundo as suspeitas, premiam o influenciador de acordo com o quanto o apostador perde. O lucro, portanto, nasce da ruína alheia.
Não é absurdo pensar que há algo profundamente
demoníaco nisso — e uso esse termo com todo o peso que a tradição patrística
lhe confere. Porque o demônio é aquele que inverte a ordem do bem, que oferece
prazer onde há dano, que mascara o vício com a capa da liberdade. E o que é o
jogo compulsivo senão isso? Uma falsa promessa de riqueza, sustentada pela
destruição silenciosa da dignidade humana.
A cultura digital transformou nossos jovens em
mercado. Não há mais pedagogia da virtude, apenas algoritmos de desejo. O que
antes era transmitido por pais, mestres e santos, agora é ditado por telas e trends.
E o influenciador — figura messiânica do século XXI — tornou-se sacerdote dessa
nova religião secular, cujo altar é o feed, e cuja liturgia se cumpre em
stories patrocinados.
O caso de Virgínia é paradigmático porque ela não é
uma exceção. É o espelho de uma geração moldada pelo consumo e pela estética do
sucesso. É claro que ela deve esclarecimentos às autoridades, mas seria
simplista fazer dela o único foco de condenação, como se fosse a origem do
problema e não uma de suas expressões. O problema é muito maior do que uma
pessoa. Estamos diante de um sistema perverso, que sequestra a imaginação dos
jovens, condiciona seus desejos e os transforma em peças de uma engrenagem de
lucros imorais.
Dói constatar que boa parte do nosso povo, ainda hoje,
vive na penúria, na precariedade da saúde pública, na ausência de uma educação
ética e filosófica que forme cidadãos maduros. Enquanto isso, milhões são
investidos em contratos de publicidade para promover apostas online — como se o
vício pudesse ser vestido de entretenimento, e a ruína financeira pudesse ser
apresentada como "diversão". Que tipo de civilização promove o jogo
ao invés do trabalho, o marketing ao invés do mérito, o engano ao invés da verdade?
Como filósofo e cristão, vejo nisso uma nova forma de escravidão. O apelo ao prazer imediato, ao dinheiro fácil, à imagem fabricada, é uma corrente invisível, mas eficaz. O coração humano foi feito para a eternidade, mas tem sido domesticado pelo efêmero. E é por isso que a CPI das Bets é mais do que uma investigação: é uma janela. Ela revela o estado de degeneração moral em que se encontra uma sociedade que abandonou a metafísica da verdade para seguir a estética do lucro.
Virgínia é um símbolo, sim. Mas não de pecado isolado.
Ela representa um sistema inteiro. Um sistema que precisa ser combatido não
apenas com leis, mas com uma nova cultura. Uma cultura da responsabilidade, da
verdade, da virtude — uma cultura que ensine nossos filhos a resistirem ao
apelo do vício, a desconfiarem da mentira sedutora dos influencers, e a
buscarem, não o brilho falso da fama, mas a luz perene da sabedoria.
Enquanto a CPI se desenrola, meu clamor permanece: que
esse momento de escândalo sirva, ao menos, como um grito de despertar. Que não
fiquemos apenas no moralismo punitivo ou no voyeurismo do espetáculo. Que
voltemos a formar consciências. Que voltemos a buscar o verdadeiro bem, não o
bem aparente. Que não esqueçamos que, por trás dos contratos e dos algoritmos,
há pessoas com sede de sentido, e almas que não foram feitas para o consumo,
mas para a eternidade.
Que Deus tenha piedade de todos nós.
Nota: A CPI das Bets investiga contratos publicitários entre influenciadores digitais e casas de apostas online. A principal preocupação é com o incentivo ao jogo entre jovens e públicos vulneráveis, especialmente em casos onde o influenciador lucra conforme os seguidores perdem dinheiro.
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