O século XX testemunhou o grito ecoante de Friedrich Nietzsche: “Deus está morto!” Não se tratava, como muitos interpretaram superficialmente, de um simples ataque ao cristianismo, mas de um diagnóstico existencial profundo. O filósofo alemão não celebrava essa morte, antes, alertava: a civilização ocidental, ao matar Deus — isto é, ao recusar seus fundamentos transcendentes —, iniciava um processo lento e silencioso de autoaniquilação.
A “morte de Deus” é, nesse sentido, símbolo de uma ruptura: a separação do homem moderno de suas raízes espirituais, éticas e ontológicas. Retirando a âncora que sustentava o sentido da existência, do bem e da verdade, o homem ficou à deriva num mar do relativismo, da tecnocracia e do niilismo. O século XXI é o filho órfão dessa ruptura. A pergunta que nos persegue, portanto, não é apenas se Deus está morto, mas se não estamos diante da morte do próprio homem .
Ao rejeitar Deus, o homem moderno acreditou libertar-se. No entanto, essa liberdade tornou-se um peso. A autonomia sem orientação tornou-se desorientação. Quando tudo é permitido, nada tem valor. A cultura atual, marcada pela fluidez, pela tração e pela fragmentação, revela um homem cansado, sem pátria interior, consumido pela ansiedade e depressão — sinais de uma crise de sentido.
Como observa o psiquiatra Viktor Frankl, sobrevivente dos campos de concentração e autor de Em Busca de Sentido , a maior tragédia contemporânea não é o sofrimento, mas o vazio existencial. O homem já não sabe por que vive, tampouco por quem morreria. Isso o torna frágil, manipulável, escravizado por ideologias ou prazeres instantâneos.
As grandes promessas do iluminismo — razão autônoma, progresso indefinido, ciência como única luz — produziram um mundo mais funcional, mas não necessariamente mais humano. Temos tecnologias avançadas, mas relacionamentos quebradiços. Temos medicamentos, mas uma epidemia de suicídios. Temos acesso à informação, mas não à sabedoria.
Um mundo sem Deus tornou-se um mundo sem centro, onde tudo é objeto de consumo — inclusive o próprio ser humano. O homem moderno, que outrora quis ser como Deus, agora já nem sabe se é homem. A crise antropológica, refletida na cultura, na educação e até na religião, é o espelho do abismo interior de um ser que perdeu o contato com o Sagrado.
Apesar da secularização, ou talvez por causa dela, cresce silenciosamente uma nostalgia do sagrado . Muitos procuram espiritualidade fora das religiões tradicionais; outros retornam ao silêncio da oração, ao estudo das Escrituras, ao fascínio pelos ícones e ritos antigos.
Essa busca, ainda que confusa, é um grito por sentido. O ser humano não consegue viver num mundo fechado em si mesmo. Ele tem sede do Infinito. Como Santo Agostinho: “Fizeste-nos para Ti, Senhor, e inquieto está o nosso coração enquanto não relacionado em Ti.”
A morte de Deus, portanto, não é definitiva. O túmulo está vazio, mas não por abandono: está vazio porque a Ressurreição venceu. A fé cristã proclama que Deus não está morto, e que é precisamente o retorno a Ele que pode restaurar o homem.
Em tempos de hiperexposição, a alma humana clama por mistério. O mistério não é o irracional, mas aquilo que não se esgota em fórmulas. O sagrado é um convite à reverência, à escuta, à entrega. O homem não pode se salvar sozinho. Ele precisa ser reencontrado por Aquele que o criou.
Nesse sentido, a tradição — especialmente nas suas formas orientais e místicas — oferece uma via de reconciliação. Liturgia, jejum, contemplação, silêncio, comunhão: práticas que reconduzem o homem ao seu eixo interior, restituindo-lhe dignidade, vocação e sentido.
A busca pelo sagrado é, na verdade, a busca de si mesmo. Mas de um “si” que só se compreende à luz do Outro, do Totalmente Outro, do Deus vivo e verdadeiro.
A crise atual não é apenas social ou psicológica — é, sobretudo, espiritual . E por isso mesmo, ela exige uma resposta de ordem espiritual. Redescobrir Deus não é um luxo, é uma urgência. A fé não é fuga da realidade, mas reencontro com a realidade mais profunda.
Não se trata de um retorno às fórmulas passadas, mas de um novo mergulho na Tradição viva. A resposta ao vazio contemporâneo não virá do consumo, da ideologia ou da tecnologia, mas da abertura à transcendência. Somente Deus pode preencher o abismo deixado por Sua suposta morte.
E, como paradoxalmente nos mostra a Cruz, a morte de Deus foi, na verdade, o maior ato de amor... para que o homem não morra.
O grito “Deus está morto” foi, talvez, o diagnóstico mais honesto da modernidade. Mas não é a última palavra. Deus não morre. O que morre é o homem que se afastou Dele. A boa notícia, porém, é que o retorno é possível. No fundo de cada coração humano, há uma chama que nunca se apaga. É nela que, mesmo em meio ao caos, ainda se pode ouvir a voz suave do Sagrado dizendo: “Não temas, Eu estou contigo.”
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