sexta-feira, 11 de julho de 2025

Rezar Sim, Mas com os Pés no Chão e o Coração de Carne

 


Rezar Sim, Mas com os Pés no Chão e o Coração de Carne

Vivemos num tempo em que a espiritualidade corre o risco de se tornar um disfarce elegante para a fuga. Rezamos, fazemos novenas, recitamos ladainhas, mas às vezes esquecemos o essencial: Deus não nos quer apenas ajoelhados — Ele nos quer transformados.

Não podemos ser pessoas de oração se não formos, antes, verdadeiramente humanos, atentos à nossa realidade, às dores do outro, às nossas faltas mais escondidas. A oração que não encarna na vida se torna ilusão. E Deus, que se fez Carne, não tem parte com fantasmas.

Espiritualidade sem humanidade é teatro. E Deus não assiste peças.

Oração não é esconderijo. É fornalha. É no silêncio da oração que Deus nos revela nossas sombras, nossas mentiras, nossas máscaras. E, se permitirmos, Ele mesmo nos molda com mãos de oleiro. Não para que sejamos anjos na terra, mas para que sejamos homens verdadeiros, como Cristo foi: compassivo, presente, justo, manso.

Há quem reze longamente e maltrate quem vive ao seu lado. Há quem jejue, mas julgue com frieza. Há quem fale com Deus, mas fale mal com os irmãos. Isso não é espiritualidade — é orgulho com incenso.

A oração cristã, quando verdadeira, nos devolve ao mundo com olhos novos, língua mais paciente, passos mais leves, alma mais doce.

Quem reza, deve ser doce. Quem comunga, deve ser gentil. Quem contempla, deve sorrir.

A vida de oração não nos isola do mundo — ela nos mergulha nele com mais ternura. São Francisco beijava leprosos. Santa Teresinha varria o chão como se tocasse o Céu. São Bento dizia que nada se antepusesse à oração — mas também não admitia monges murmuradores ou ranzinzas.

Ser piedoso sem ser gentil é como uma vela acesa dentro de uma caixa fechada: apaga rápido e sufoca quem se aproxima.

Ser de oração é ser humilde, não teatral. É ser paciente, não passivo. É ser alegre, não histérico. É ser presente, não apenas piedoso. Como dizia São Filipe Néri: "Tristeza e melancolia, fora da minha casa!"

A oração que não muda o coração, não chega ao Céu.

Quem reza de verdade, torna-se mais atento. Olha os pobres com compaixão. Pede perdão com sinceridade. Suporta as falhas do outro sem escândalo. Alegra-se com a vida, ainda que chorando por dentro. Porque quem frequenta o coração de Deus aprende a viver com o coração dilatado.

Não se trata de ser “bonzinho” — trata-se de ser cristão. E o cristão é aquele que, tendo tocado o Céu na oração, volta para lavar os pés dos outros com alegria.

Mãos ao alto, pés no chão e coração nos irmãos.

Rezar é essencial. Mas rezar bem, com verdade, nos torna mais humanos, mais doces, mais atentos. Uma espiritualidade que nos isola ou nos endurece, não vem de Deus.

A oração que Deus escuta é aquela que nos muda. Que nos torna melhores no silêncio e na convivência. Que nos dá coragem para enfrentar a vida — e ternura para vivê-la com leveza.

Porque, no fim, a santidade não é altivez. É humanidade transfigurada pela graça.

Rezar, sim. Mas também sorrir. Ouvir. Amar. Perdoar. Ser luz — e não lâmpada que queima os olhos.

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